.Muçulmanos iniciam mês sagrado do Ramadã em Londrina
.Muçulmanos iniciam mês sagrado do Ramadã em Londrina | Foto: Ricardo Chicarelli

“O jejum ensina o homem a suportar dificuldades”, orienta o sheik Jeque Ahmad Saleh Mahairi, 78. Na madrugada deste domingo (5) teve início o mês sagrado do Ramadã, 30 dias de jejum e devoção para mais de 1 bilhão de muçulmanos.


Oração, caridade e abstinência são os pilares do Ramadã. Mahairi é referência da religião na América Latina. Enviado há 30 anos pelo governo saudita ao Brasil, traduziu livros árabes para o espanhol e português, “escrevendo os pilares do Corão de uma maneira simples”, como explica o sheik. Pela Liga Islâmica Mundial, Mahairi começou a escrever livros para ajudar a comunidade muçulmana em Londrina. “Na minha opinião, não podemos politizar a religião. Devemos deixar a religião para Deus e para os fiéis. Politizar a religião é estragar os povos, a fé, a consciência.”

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. | Foto: Isabela Fleischmann/Grupo Folha

Política e religião, que em alguns países se confundem, devem ser coisas distintas, de acordo com Mahairi. “Todas essas más notícias que recebemos, sobre terroristas, tudo isso não é religioso. É somente a procura de dinheiro por meio do petróleo. A guerra é sempre na área de petróleo. Se politizarmos a religião, vamos estragá-la. Essa é minha mensagem desde que cheguei no Brasil.”

Para além da religião, o sheik acredita nos benefícios para a saúde por meio do jejum, que, segundo ele, é uma “receita médica”, porque ajusta a pressão, limpa o estômago e purifica o sangue. “Todos sheiks estão falando a respeito de jejum religiosamente. Mas também se trata de saúde”.

É também um ensinamento de resistência e paciência, para suportar a fome e a sede. Um curso de moralidade virtuosa e da distância da violência e rivalidade com os outros. Para o Sheik, jejuar também é um ensino de psicologia, que leva empatia às pessoas. “Eu nunca saberia o contexto de fome porque nunca passei fome ou sede, nem meus filhos. Quando não sabemos o que significa fome, o coração pode ser duro, podemos não compreender os problemas dos pobres. Mas, por meio do jejum, quando eu tenho trilhões de dólares e devo passar fome, unimos os sentimentos.”

Mahairi é membro executivo do GDI (Grupo de Diálogo Interreligioso) de Londrina há quatro anos. “A cada dois meses encontramos todos os pastores, padres, representantes das religiões, e, por meio do diálogo, podemos descobrir coisas positivas que podem colaborar pela paz.”

REI FAIÇAL

Quando Mahairi chegou a Londrina, com 30 anos, cerca de 50 famílias eram muçulmanas. Hoje, são 150 famílias da região, como estima o Sheik. À época, recorda-se Mahairi, em toda a América Latina, só existia uma mesquita em São Paulo. A mesquita londrinense Rei Faiçal, na Vila Siam, zona leste da cidade, foi a segunda do País. Começou a ser construída em 1968 e foi concluída em 1975. “Quando eu cheguei, a comunidade era jovem, como eu. Eles tinham a intenção de fazer uma mesquita aqui em Londrina, mas não tinham dinheiro, não tinham orientador. Eram sonhos de jovens. Compraram esse terreno para fazer o projeto da mesquita e na época Faiçal era o rei da Arábia Saudita. Escreveram para ele pedindo ajuda”, conta.

Em resposta aos fiéis, rei Faiçal mandou dinheiro e deu ordem em nome de Mahairi para que o projeto da mesquita londrinense fosse executado. “Cheguei em ordem do rei Faiçal. Por isso o nome da mesquita”. Mahairi ajudou na compra dos lotes da igreja.

“A mesquita tinha sete quadras. Eles compraram dois e o resto recolhemos da Arabia Saudita. Ao lado da mesquita, tinha um bar. Falei para o governo saudita que não poderia ser assim. Eles mandaram cerca de 30 mil dólares para comprarmos o bar. Compramos esse bar e mais um”, recorda.

O sheik é saudita. Seus filhos são londrinenses. Antes do Brasil, morou na África do Sul e falava árabe e inglês. “O primeiro livro que escrevi foi na África, em inglês. Vim para cá e tentei aprender português, até abrimos na UEL (Universidade Estadual de Londrina) um curso de árabe. Isso reforçou meu português. Ainda não falo 100%,, mas meus filhos me corrigem sempre.”

A mesquita, entretanto, não tem nacionalidade, de acordo com o sheik. “Quando construímos essa mesquita não era para os árabes, mas para os brasileiros. Jovens do Paquistão e de Bangladesh, que são muçulmanos, e produzem frango em Rolândia vêm participar, mas a maioria deles não fala nem árabe nem português”, conta.

Ao entrar na mesquita, os sapatos devem ser tirados, para não sujar o tapete, já que a oração é feita com o rosto no chão em direção a Meca. As mulheres tem um espaço separado para orar. "Acreditamos que Deus nos enviou para viver um tempo e para morrer. Da terra você foi criado, e para a terra você vai voltar. Essa é a oração que fazemos, com o rosto no chão, para nos lembrar no Ramadã.”