BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - Morreu na terça-feira (14) o jornalista italiano Riccardo Ehrman, 92, que ficou mundialmente conhecido por fazer a pergunta que desencadeou a queda antecipada do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989.

Na época, o então repórter da agência de notícias Ansa questionou, durante uma entrevista coletiva, o porta-voz do regime da Alemanha Oriental, Günter Schabowski, sobre novas regras no controle da fronteira, anunciadas pelo oficial.

Nas semanas anteriores, manifestantes da parte comunista alemã vinham exigindo o direito de liberdade de expressão e reivindicando o fim das restrições de viagens. Cinco dias antes da coletiva, cerca de 1 milhão de pessoas, entre elas artistas, romancistas, atores e acadêmicos, reuniram-se em uma praça de Berlim para demonstrar repúdio ao governo.

Além disso, em outubro, o líder comunista Erich Honecker já havia sido deposto do cargo de chefe de Estado.

"Mas quando essas regras entrarão em vigor?'', questionou Ehrman. O porta-voz então, que não estava suficientemente informado pelos superiores sobre os planos de abertura, mexeu em suas anotações e, inseguro, disse: "Bom, pelo que sei, agora mesmo".

À época, a coletiva era assistida por muitos alemães orientais que correram para os pontos de controle do muro, com o intuito de checar se a afirmação de Schabowski era verídica. Com a chegada repentina de milhares de pessoas ao local, os guardas de fronteira abriram os portões e permitiram a passagem.

Em poucas horas, o muro começou a ser destruído a golpes de picaretas por pessoas eufóricas, enquanto outras dançavam em cima dele. Algumas celebravam com champanhe.

De acordo com reportagem publicada pela BBC, Ehrman disse, anos depois, que entendeu imediatamente o que as palavras de Schabowski significavam e enviou uma mensagem urgente para a sede da Ansa, em Roma: "O muro se foi", dizia.

Desde aquele dia, o jornalista dava entrevistas sobre o evento e era frequentemente lembrado pela mídia alemã nos aniversários da queda do muro. Em 2008, o italiano recebeu uma condecoração do governo alemão por seu trabalho em prol da unidade do país. O jornalista morreu em Madri, segundo relato de sua esposa, onde começou a trabalhar em 1991 como correspondente. Ele estava aposentado.

Segundo a Ansa, Ehrman foi enviado para Berlim Ocidental na metade da década de 1970, depois de ter trabalhado no Canadá e nos EUA. Em 1982 foi transferido para Nova Déli, na Índia, mas acabou voltando para a Alemanha três anos depois.

Filho de poloneses judeus, o jornalista nasceu em 1929, em Florença. Aos 13 anos, foi preso em um campo de internação em Cosenza, no sudoeste da Itália, devido à perseguição instaurada pelo governo de Benito Mussolini. Em 1943, porém, foi libertado por tropas inglesas.

A morte de Ehrman acontece a poucos dias do aniversário de 30 anos do fim da União Soviética. Acredita-se que a queda do Muro de Berlim tenha sido um dos golpes finais contra a potência comunista, que continuou de pé por mais apenas dois anos.

Além de Ehrman, o jornalista alemão Peter Brinkmann também reivindica ser o autor da pergunta que originou a resposta atrapalhada do oficial comunista. A fama do italiano, segundo Brinkmann, decorreu de uma qualidade profissional e de um lance do acaso.

Na confusão, Schabowski acabou também confrontado por Brinkmann, mas o jornalista alemão estava fora do enquadramento das câmeras de TV, então apenas sua voz no meio da balbúrdia foi ouvida. A imagem fixada do episódio acabou sendo então a do italiano.

"Eu fiz a pergunta decisiva" , disse Brinkmann em uma entrevista em 2019 para jornalistas de vários países. O jornalista ainda conta que perguntou se a abertura de fronteiras valia também para Berlim, e Schabowski teria assentido com a mesma insegurança.

Riccardo Ehrman, por sua vez, nunca concordou com a visão de Brinkmann. Em entrevista ao americano The Wall Street Journal, ele reafirmou que foi seu diálogo com Schabowski que derrubou o muro, e que as perguntas do colega alemão eram complementares às suas.

"Era uma conversa entre mim e Schabowski, o que Schabowski admite", disse ao jornal. O burocrata morreu em 2015, aos 86 anos.