Buenos Aires - Sentados a cerca de um metro de distância, de terno e semblantes fechados, o presidente peronista Alberto Fernández e seu sucessor eleito Javier Milei se encontraram na manhã desta terça (21) e deram início à transição de poder na Argentina. A reunião ocorreu na Quinta de Olivos, residência oficial ao norte de Buenos Aires.

A Casa Rosada divulgou a foto dos dois e um comunicado sóbrio informando apenas que o ultraliberal assumirá as funções em 10 de dezembro e que o encontro se deu "com o objetivo de iniciar o processo de transição institucional entre as equipes designadas por ambos nas diferentes áreas de governo".

A reunião estava marcada inicialmente para segunda (20), mas foi adiada. A transição de governos na Argentina é mais rápida do que no Brasil e deve durar só 20 dias.

Derrotado nas urnas, o candidato governista Sergio Massa seguirá como ministro da Economia até a posse e já definiu uma equipe de transição em sua pasta, segundo a imprensa local. Após a vitória do rival nas eleições de domingo (19), circulou a informação de que ele poderia renunciar ao cargo, o que foi descartado mais tarde.

LEIA TAMBÉM:

+ Ultraliberal Javier Milei é eleito presidente da Argentina

Quem deve liderar a transição na pasta de Massa é Gabriel Rubinstein (secretário de política econômica), Leonardo Madcur (chefe de assessores), Raúl Rigo (secretário da fazenda) e Miguel Pesce (presidente do Banco Central), segundo a agência pública de notícias Télam - uma das empresas que Milei confirmou que vai privatizar.

Em uma rodada de entrevistas a rádios locais na manhã seguinte à vitória, o ultraliberal reiterou que vai privatizar "tudo o que possa estar nas mãos do setor privado", fechará o Banco Central e cortará os atuais 18 ministérios para apenas 8, extinguindo pastas como Cultura, Mulheres e Ciência e Tecnologia.

Ele divulgou dois novos nomes de sua equipe, mas evitou anunciar um ministro para a Economia dizendo que o atual governo vai "sabotá-lo" antes que assuma. É a principal pasta num país em crise econômica crônica e 143% de inflação anual, e será a responsável por sua promessa de dolarização.

Um dos cotados para o ministério é o economista Federico Sturzenegger, que se reuniu por quatro horas com Milei na sexta-feira (17). Ele foi presidente do Banco Central da Argentina de 2015 a 2018, na gestão de Mauricio Macri - no país vizinho, o órgão tem grande influência do governo.

Outros nomes considerados para ajudar a levar adiante o plano de dolarizar o país são o ex-ministro Luis "Toto" Caputo, o consultor financeiro Dario Epstein, que está com Milei desde a campanha, e Horacio Liendo, que elaborou um plano para a ex-candidata Patricia Bullrich e agora tem se aproximado do ultraliberal.

Também são ventilados os economistas Emilio Ocampo, que deve assumir o Banco Central com a missão de fechá-lo, e Nicolás Cachanosky. Ambos são autores do livro "Dolarização: Uma Solução para a Argentina", que Milei já indicou que usará como base para seu projeto, planejando inicialmente um sistema de livre concorrência entre o peso e o dólar.

LULA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira (21) que há atualmente "algumas confusões na América do Sul", sem citar nominalmente o presidente eleito da Argentina, Javier Milei.

Lula ainda acrescentou que haverá "problemas políticos" no futuro. "Acho que estamos numa fase melhor de quando eu deixei a presidência, se bem que estamos vivendo algumas confusões na América do Sul. Não é mais a mesma de 2002, 2004 e 2006. Vamos ter problemas políticos", afirmou o presidente. "E ao invés de reclamarmos dos problemas políticos, nós temos que ser inteligentes e resolvê-los, tentar conversar, tentar fazer com que as pessoas aprendam a conviver democraticamente na adversidade", completou.

As declarações do presidente foram feitas durante discurso a formandos do Instituto Rio Branco, a escola da diplomacia brasileira.

Lula novamente não citou Milei, mas afirmou que não precisa gostar dos outros presidentes. No entanto, acrescentou que é preciso negociação entre os países. "Eu não tenho que gostar do presidente do Chile, Argentina, Venezuela. Ele não tem que ser meu amigo. Ele tem que ser presidente do país dele e eu tenho que ser presidente do meu país", afirmou.

Milei foi eleito presidente da Argentina no domingo (19), superando o candidato governista, o atual ministro da Economia, Sergio Massa. Milei impôs ao peronismo sua quarta derrota em 40 anos de democracia. Além de suas posições polêmicas sobre o Mercosul, clima e outros assuntos, Milei é mais alinhado politicamente ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os dois conversaram por telefone nesta segunda-feira (20), quando o brasileiro o cumprimentou e disse ter sido convidado para a posse. Por outro lado, Milei usou durante a sua campanha eleitoral uma retórica contra a esquerda mundial, inclusive com ataques pessoais ao presidente Lula.

Um dos momentos de maior tensão foi quando Milei chamou o petista de corrupto e comunista, além de acrescentar que não pretendia encontrá-lo caso fosse eleito, durante entrevista a um jornalista peruano. "Um comunista", afirmou Milei, ao que o jornalista acrescentou: "E um grande corrupto, não?". "Por isso esteve preso", respondeu Milei.