Merkel diz que mundo não pode ser forçado a escolher entre dois lados
Premiê alemã critica polarização entre EUA e China e cobra equilíbrio entre ações de governos e direitos individuais
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 26 de janeiro de 2021
Premiê alemã critica polarização entre EUA e China e cobra equilíbrio entre ações de governos e direitos individuais
Ana Estela de Sousa Pinto - Folhapress
Bruxelas, Bélgica - A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, afirmou que o mundo não pode se ver forçado a escolher entre dois grandes blocos, com os chineses de um lado e os americanos do outro. "Sou contra dizer 'aqui estão os EUA e ali a China', e os países precisam se agrupar em torno de um ou de outro", afirmou ela, nesta terça (26), em palestra no Fórum Econômico Mundial - que, em 2021, acontece de forma on-line.

Ao responder a uma pergunta sobre a defesa do multilateralismo feita na véspera pelo líder chinês Xi Jinping, ela afirmou que concordava com essa visão. "Mas há uma questão em que não estamos totalmente de acordo: a de como lidar com diferentes modelos sociais. Quando começa e onde termina a interferência? Quando você defende valores elementares que são indivisíveis?", questionou.
Na resposta à pergunta, feita pelo fundador e presidente-executivo do Fórum, Klaus Schwab, ela disse que é fundamental definir quais são os limites até os quais é possível respeitar diferentes sistemas econômicos e sociais. "A China se comprometeu com tratados internacionais, e precisamos resolver de uma vez por todas as diferenças de interpretação", afirmou.
Em vários outros pontos de sua fala inicial, Merkel se equilibrou entre interesses chineses e americanos. Ela cobrou mais transparência sobre práticas como subsídios estatais, numa clara referência à Pequim. "Precisamos saber até que ponto o comércio ainda está sendo feito sob regras globais ou se está sendo favorecido por práticas não aceitáveis."
Essa é uma das principais críticas dos Estados Unidos justamente a uma entidade multilateral, a OMC (Organização Mundial do Comércio). Para as duas gestões anteriores do governo americano, e para vários especialistas em comércio internacional, a organização precisa ser reformada para ser capaz de lidar com o sistema da China, que, desde que aderiu à OMC, se tornou uma potência comercial.
Sem se dirigir diretamente aos EUA, Merkel alertou que é preciso destravar as atividades do órgão - que está sem diretor-geral e com seu órgão de apelação paralisado, por causa de bloqueios americanos, intensificados no governo de Donald Trump.
A chanceler também usou sua palestra para pedir ao novo presidente americano, Joe Biden, que apoie a tributação de gigantes de tecnologia desenvolvida pela OCDE (grupo de 38 países entre os mais ricos do mundo) e que combata os monopólios. As tentativas de tributar as grandes companhias americanas e limitar seu poder de mercado, feitas pela União Europeia e por países do bloco, foram uma das principais causas de atrito com o governo do ex-presidente Donald Trump. A França chegou a aprovar um imposto sobre as chamadas big techs, mas recuou após Trump ameaçar impor altas tarifas a produtos de luxo franceses.
Sentada em frente a bandeiras da Alemanha e da União Europeia, Merkel disse esperar que a nova administração americana apoie "a importância de leis internacionais de competição, para prevenir a formação de monopólios globais". Ainda equilibrando-se entre os "dois blocos", a premiê alemã defendeu o acordo de investimento firmado entre a União Europeia e a China, no penúltimo dia de seu mandato com presidente rotativa do Conselho da UE.
O texto era uma das prioridades da chanceler alemã, e, para assiná-lo, ela aproveitou a janela de transição na presidência americana, em que Biden já havia sido eleito, mas ainda não empossado. O acordo contrariou os americanos e, segundo diplomatas, teria erguido uma barreira justamente para a participação dos EUA nas políticas de tributação digital e privacidade defendidas pelos europeus.
A alemã ressaltou que o acordo firmado com a China pode trazer mais transparência sobre os subsídios estatais, mais previsibilidade no acesso a tecnologias e o cumprimento de regras trabalhistas, todos temas importantes na política de Biden em relação ao gigante asiático.
Merkel defendeu na palestra um modelo de "mercado social": "É preciso achar o equilíbrio correto entre ações dos governos e os direitos individuais. Precisamos ser capazes de parar a concentração quando ela está criando empresas muito poderosas, e pensar de forma global, para além de nosso mesmo país". Segundo a chanceler, isso precisa ser feito por meio de regulação estatal, "porque nenhuma empresa fará isso sozinha", mas sem deixar que o Estado cresça muito a ponto de abafar a inovação e a iniciativa particular.

