Merkel dá adeus elogiada pela habilidade em resolver crises
Primeira-ministra consolidou um estilo de governar baseado em ponderar e evitar conflitos, mas adiar decisões e compromissos
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 23 de setembro de 2021
Primeira-ministra consolidou um estilo de governar baseado em ponderar e evitar conflitos, mas adiar decisões e compromissos
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
Gelsenkirchen, Alemanha - Assim que acordar em sua primeira manhã com um "ex" na frente de "primeira-ministra da Alemanha", Angela Merkel pensará nos problemas que precisa resolver naquele dia. Por alguns instantes.
"De repente vai me ocorrer que outra pessoa está no comando agora. E provavelmente vou me sentir bem", respondeu ela a uma pergunta de alunos na Universidade Johns Hopkins, nos EUA, da qual recebeu um doutorado honorário em julho.
Essa manhã futura, ainda sem data prevista, será a primeira de Merkel fora do poder desde 22 de novembro de 2005. Até a eleição de domingo (26), são 5.786 dias, quase 16 anos à frente do país.
O número equivale a quase um terço da vida adulta da primeira-ministra, uma física com doutorado em química que nasceu há 67 anos, cresceu na Alemanha Oriental e ingressou na política aos 35, em 1989 - ano da queda do Muro de Berlim.
Dependendo da data em que o próximo governo for empossado, Merkel pode superar seu mentor, Helmut Kohl - premiê de 1982 a 1996 -, como a que mais tempo ficou no cargo. O recorde pode ser batido em 19 de dezembro deste ano.
Em seus quatro mandatos, Merkel consolidou um estilo de governar que virou até verbo em seu país: "merkeln" (algo como "merkelizar"). Significa manter a calma, recolher informações, ponderar, evitar conflitos e adiar decisões e compromissos até quando for impossível.
Essa personalidade lhe rendeu ao mesmo tempo críticas e elogios, esses traduzidos em índices altos de aprovação dentro e fora de seu país. Na Alemanha, pesquisas diferentes mostram cerca de 70% de aprovação a seu governo. Sondagens internacionais, por sua vez, a colocam como mais confiável para tomar decisões corretas que qualquer outro líder mundial.
Para o instituto americano Pew, um dos que registram essa popularidade, uma das explicações é que Merkel enfrentou amplas crises e participou da coordenação de várias delas. A primeira-ministra se viu às voltas com uma crise institucional da União Europeia logo em seu primeiro mandato. Meses antes de ela tomar posse, França e Holanda haviam derrubado em referendo o projeto de Constituição Europeia.
A líder alemã se empenhou nas negociações do Tratado de Lisboa, que reformou a governança do bloco, e trabalhou para que ele não fosse derrubado por uma segunda vez pela Irlanda, em 2009.
A partir de então, houve a crise financeira global, em 2008, vários ataques ao Estado de Direito na UE, a crise do euro, a partir de 2010, a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, a crise dos refugiados, em 2015, e a pandemia de Covid, desde 2020.
Pela atuação de Merkel nesses eventos é possível ter ideia de por que analistas de várias nacionalidades e correntes políticas descrevem como ponto forte da líder política alemã a gestão de crises. "A capacidade de enfrentar turbulências insistindo na calma, na razão e na cooperação lhe garantiram a admiração mundial", afirmou Kristina Spohr, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins, em análise para o Instituto Americano de Estudos Alemães Contemporâneos (AICGS).
A maior parte dos comentaristas também vira a moeda para mostrar uma fraqueza: a preferência pelo pragmatismo em detrimento da estratégia impediu que problemas fossem evitados a tempo. Segundo seus críticos, Merkel trabalhou para estabilizar, não para reformar, deixando uma conta de atraso tecnológico e social que será paga pelos próximos governantes.