São Paulo - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu a Assembleia-Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (19) com um discurso focado em desigualdade e com o retorno da demanda histórica do Itamaraty de uma reforma no Conselho de Segurança.

O petista voltou ao principal palco internacional após mais de dez anos e sob a promessa de recuperar a orientação internacionalista da diplomacia brasileira após quatro anos de isolamento, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Com um discurso repleto de referências indiretas ao adversário político, Lula foi bastante aplaudido ao estabelecer diferenças ante o antecessor.

Lula começou o discurso prestando condolências a vítimas do terremoto no Marrocos e das enchentes na Líbia e no Rio Grande do Sul. Em seguida, o presidente falou sobre a crise climática. Há 20 anos, quando discursou pela primeira vez na ONU, o mundo ainda não tinha consciência da gravidade do problema, afirmou.

O presidente voltou a apontar que os países mais ricos se desenvolveram com base em um modelo poluente, mas que os países emergentes não querem repetir esse modelo. "Agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. Os países ricos cresceram baseados em um modelo com alta taxa de emissão de gases danosos ao clima", continuou."

Aplaudido ao repetir que "o Brasil está de volta", Lula disse que estava ali porque a democracia venceu no país. "O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, nossa região, o mundo e o multilateralismo", disse, em contraste com a política externa de Bolsonaro. O ex-presidente manteve durante dois anos um chanceler, Ernesto Araújo, que dizia orgulhar-se da condição de pária do país.

"A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas. A pandemia da Covid-19, a crise climática e a insegurança militar e energética ampliada por crescentes tensões geopolíticas", afirmou.

"A guerra na Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaços para negociações. Investe-se muito em armamento e pouco em desenvolvimento", afirmou.

O presidente apontou a paralisia do Conselho de Segurança, instância máxima da ONU, com uma das razões para a reforma da instituição. Para Lula, o órgão precisa ser mais representativo e eficaz. O presidente encerrou seu discurso cobrando que os países-membros se indignem com a desigualdade e trabalhem para superá-la. Lula foi aplaudido, assim como em diversos outros momentos do discurso.

Na bancada reservada ao Brasil estavam os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o assessor especial da Presidência Celso Amorim, e o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese. A primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, acompanhou a comitiva.

Um grupo de congressistas brasileiros assistiu ao discurso da galeria. Entre eles, os deputados Guilherme Boulos (PSOL), Zeca Dirceu (PT-PR) e Elmar Nascimento (União Brasil-BA), a deputada Duda Salabert (PDT-MG) e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Ministros como Esther Dweck (Gestão), Marina Silva (Ambiente) e Jader Filho (Cidades) estavam no piso da plenária.

Antes de Lula, o secretário-geral da ONU, António Guterres, com quem o presidente deve se encontrar na quarta (20), discursou. Ele afirmou que a situação mundial rumo ao multilateralismo pode ser positiva, mas que uma reforma do arcabouço institucional é vital para evitar "ruptura" -a demanda por uma reforma do Conselho de Segurança, pauta do Itamaraty há décadas, foi retomada pelo atual governo.

O presidente chegou em Nova York na noite de sábado (16) e deve voltar ao Brasil na quinta (21). A longa estadia contrasta com a de Bolsonaro, que passou menos de 24 horas na cidade no ano passado.

O discurso do petista foi feito em um contexto de crescentes críticas à ONU e de competição com outros fóruns multilaterais, como o recém-ampliado Brics, grupo de países emergentes, e o G20, fórum das maiores economias do mundo.

Sintoma disso, lideranças do primeiro escalão de China, Rússia e Índia não participam do evento, o que colocou o brasileiro na posição de "porta-voz" do chamado Sul Global em um encontro esvaziado. Do lado das potências, os EUA são o único dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança que serão representados no encontro por seu chefe de governo.

Nesse cenário, os dois presidentes estarão nos holofotes durante a semana, assim como o líder ucraniano, Volodimir Zelenski -com quem Lula se reúne na quarta-feira. A conversa com o ucraniano ocorre por volta das 17h (horário de Brasília), no hotel em que o brasileiro está hospedado.

A relação entre os dois é turbulenta. Em maio, houve uma tentativa de conversa durante o encontro do G7, mas que acabou frustrado. O lado brasileiro argumenta que ofereceu opções de horário a Zelenski, que não conseguiu comparecer a nenhuma. Os ucranianos atribuem a culpa a Brasília, que teria demorado a responder o pedido de reunião.