Joanesburgo - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negou nesta terça-feira (22) que o Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) seja um contraponto ao G7 - o grupo dos países industrializados, liderado pelos Estados Unidos.

"A gente não quer ser contraponto ao G7 ou ao G20, nem aos Estados Unidos. A gente quer se organizar. A gente quer criar uma coisa que nunca teve, que nunca existiu. O Sul Global... Nós sempre fomos tratados como se fôssemos a parte pobre do planeta, como se não existíssemos. Nós sempre fomos tratados como se fôssemos de segunda categoria. E de repente a gente está percebendo que podemos nos transformar em países importantes", declarou o presidente, durante uma transmissão nas redes sociais.

Lula argumentou que os integrantes do Brics respondem hoje por mais de um terço do PIB mundial e por fatia semelhante do comércio internacional. Afirmou ainda que o bloco precisa ser forte, com recursos, para tentar mudar "as relações no mundo" - numa referência ao pleito de reforma das instituições de governança global.

Lula citou em mais de uma ocasião o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) e falou em convencer Moscou e Pequim de que Brasil, África do Sul e Índia também devem compor o colegiado. Brasília tem o pleito histórico de ser alçado a membro permanente do conselho, posição hoje ocupada apenas por EUA, Reino Unido, França, Rússia e China.

"Por que o Brasil, a Índia e a África do Sul não podem entrar? Por que não pode entrar a Alemanha? Quem é que disse que são os mesmos países colocados lá em 1945 que continuam lá? O mundo mudou, a política mudou e nós queremos essa mudança", afirmou Lula. "O Brics significa isso. O Brics não significa tirar nada de ninguém. Significa uma organização de um polo muito forte, que congrega muita gente."

As falas do petista sobre o Brics ocorrem em meio ao debate, na cúpula que ocorre em Joanesburgo, sobre a ampliação do bloco. A China, maior economia do grupo, defende ampla expansão. Segundo interlocutores, Pequim quer "escancarar as portas" e admitir de uma vez duas dezenas de países. A África do Sul tem visão similar à chinesa, segundo disse o presidente Cyril Ramaphosa ao receber Xi Jinping.

Essa hipótese, porém, é rechaçada por Brasil e Índia, porque esse desenho seria fatalmente encarado como uma aliança anti-Ocidente e antagonista aos Estados Unidos e ao G7. Os russos têm seguido a linha de Pequim, enquanto Brasília e Nova Déli adotam uma posição mais defensiva.

Antes frontalmente contra a expansão, o Brasil flexibilizou sua posição e agora argumenta que um crescimento controlado não é ruim para os interesses do país. A Índia também enviou sinais de que aceita discutir uma entrada controlada de alguns candidatos.

Sobre o tema, Lula disse nesta terça ser favorável à ampliação, mas novamente defendeu a adoção de critérios e procedimentos. Ele citou Argentina e Indonésia como dois países que, segundo ele, deveriam ser admitidos. "[O Brics] não pode ser um clube fechado. O G7 é um clube fechado. Mesmo quando o Brasil chegou a ser a sexta economia do mundo, a gente era convidado como convidado, e não como participante. O G7 é o clube dos ricos", disse Lula.

Também nesta terça, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu que o bloco não deve significar "nenhum tipo de antagonismo a outros fóruns importantes" no cenário internacional.

"Nós acreditamos que o Brics tem grande contribuição a dar. Brasil, África do Sul, Índia, China e Rússia podem, cada um a partir de sua perspectiva, oferecer ao mundo uma visão que seja coerente com seus propósitos e que não signifique nenhum tipo de antagonismo a outros fóruns importantes dos quais nós mesmos participamos", disse Haddad, na abertura do fórum de negócios do bloco.

Lula voltou a criticar a dependência do dólar no comércio internacional. Ele disse que esse é um dos temas em discussão no Brics e sugeriu a criação de uma "moeda de comércio exterior".

"Nós defendemos a questão de uma unidade de referência - na verdade é uma moeda - que seja referência para fazer negócios, para que você não precise de uma moeda de outro país", disse Lula.

"Por que eu preciso ter dólar para fazer negócios com a China? O Brasil e a China têm tamanho suficiente para fazer negócios nas suas moedas ou em outra unidade de conta que a gente possa fazer", afirmou.

A defesa de mecanismos de desdolarização é uma constante na retórica de Lula, mas o projeto é encarado com ceticismo por analistas e por alas dentro do próprio governo. "A gente não pode depender de um único país que tem o dólar. E nós somos obrigados a ficar vivendo da flutuação dessa moeda. Não é correto", disse Lula.

GOVERNO DOS EUA

O governo americano não vê o Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, como rivais geopolíticos dos Estados Unidos ou de quaisquer outros países, afirmou nesta terça (22) o conselheiro de segurança nacional de Joe Biden, Jake Sullivan.

Ele disse que o bloco é muito diverso "em sua formação atual", e destacou que os países membros têm visões divergentes em temas como a Guerra da Ucrânia.

"Da nossa perspectiva, vamos continuar a trabalhar nas relações fortes e positivas que temos com Brasil, Índia e África do Sul", disse Sullivan a jornalistas.

A cúpula do Brics começou nesta terça, em Joanesburgo, na África do Sul. O principal debate entre os membros é a expansão do bloco. Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Indonésia e Argentina seriam os candidatos mais fortes a entrar no grupo.

A ampliação do bloco para fazer frente às potências ocidentais é defendida pela China. No entanto, essa hipótese é rechaçada por Brasil e Índia, porque esse desenho seria encarado como uma aliança anti-Ocidente e antagonista aos Estados Unidos e ao G7.

Na semana passada, em um trunfo diplomático, o presidente americano Joe Biden recebeu os chefes de Estado de Japão e Coreia do Sul em um encontro histórico em Camp David para firmar uma cooperação militar e econômica entre os três países. A iniciativa foi classificada por porta-vozes chineses como uma "mini-Otan".

Nesta segunda, Sullivan conversou com Celso Amorim, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais. Segundo Sullivan, eles trataram da possibilidade de Biden e Lula se encontrarem paralelamente à Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), que acontece em Nova York no próximo mês, e sobre iniciativas de interesse de ambos os presidentes relacionadas à promoção de direitos trabalhistas.