Itamaraty não chama de golpe militar a tomada de poder em Mianmar (1)
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terça-feira, 02 de fevereiro de 2021
PATRÍCIA CAMPOS MELLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Itamaraty publicou uma nota diplomática nesta terça-feira (2) em que não se refere ao golpe de Estado em Mianmar como golpe nem menciona opositores presos pela junta militar entre eles a vencedora do prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, líder civil de facto do país.
No texto, o ministério afirma que acompanha atentamente os desdobramentos da decretação do estado de emergência em Mianmar e diz que o Brasil tem a expectativa de um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do Estado de Direito.
Militares derrubaram o governo democrático do país asiático na segunda-feira (1º) e prenderam Suu Kyi, o presidente do país, autoridades e políticos da oposição.
Os Estados Unidos determinaram formalmente nesta terça que a tomada de poder pelos militares configura um golpe de Estado, uma designação que exige que o país corte toda sua ajuda externa à nação asiática.
"Depois de cuidadosa análise dos fatos, nós chegamos à conclusão que Aung San Suu Kyi, a líder do partido governante em Mianmar, foi deposta em um golpe militar em 1º de fevereiro, disse um porta-voz do Departamento de Estado a repórteres. Exortamos que a liderança militar de Mianmar liberte todos os integrantes da sociedade civil e políticos líderes imediatamente.
Questionado se considera a tomada de poder em Mianmar um golpe militar, o Itamaraty afirmou apenas esperar um rápido retorno do país à normalidade democrática e de preservação do Estado de Direito, repetindo a linguagem da nota.
Segundo diplomatas, o Itamaraty, por tradição, não interfere em assuntos internos de outros países e, por isso, não usa termos como golpe e presos políticos.
No entanto, em notas diplomáticas sobre a Venezuela e Bolívia, por exemplo, o ministério usou linguagem assertiva. A repulsa popular após a tentativa de estelionato eleitoral (constatada pela OEA), o qual favoreceria Evo Morales, levou à sua deslegitimação como presidente e consequente clamor de amplos setores da sociedade boliviana por sua renúncia, disse o Itamaraty em nota de 12 de novembro de 2019, ao negar que a deposição de Evo tivesse sido um golpe.
A renúncia de Evo Morales abriu caminho para a preservação da ordem democrática, a qual se veria ameaçada pela permanência no poder de um presidente beneficiado por fraude eleitoral, continua o texto.
Sobre a ditadura na Venezuela, em nota do Grupo de Lima de abril de 2019, o Itamaraty pedia a liberação imediata dos presos políticos.
A nota sobre Mianmar divulgada nesta terça é alvo de críticas de entidades de direitos humanos.
A Constituição brasileira determina que, na condução das relações internacionais, deve haver prevalência dos direitos humanos", disse Juana Kweitel, diretora executiva da Conectas Direitos Humanos. "A nota oficial do Itamaraty sobre a situação em Mianmar, ao não condenar o golpe militar nem a prisão de ativistas e vozes contrárias, vai na contramão dessa determinação constitucional.
Segundo um diplomata que acompanha a situação, houve também uma decisão do governo brasileiro de não desagradar a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), composta por Tailândia, Camboja e Filipinas, além de Mianmar, e outros seis países.
Os governos da região estão tratando a situação com cuidado, para não causar rupturas, e o Brasil quis seguir essa estratégia.

