São Paulo - O cessar-fogo entre Israel e o grupo Hezbollah, vitória tardia da diplomacia do governo Joe Biden, começou às 4h desta quarta (27, 23h de terça em Brasília). Moradores começaram a voltar ao sul do Líbano, e o Exército do país se prepara para enviar 10 mil soldados para a região.

O acordo foi celebrado até pelo Hamas, grupo terrorista palestino cujo ataque de 7 de outubro do ano passado disparou o conflito no Oriente Médio e que agora diz esperar que o cessar-fogo ajude a acabar com a guerra na Faixa de Gaza, onde foi reduzido de governo a guerrilha em mais de um ano de conflito com o Estado judeu. O grupo libanês é aliado do palestino, e ambos são bancados pelo Irã, arquirrival de Israel.

"O Hamas estima o direito do Líbano e do Hezbollah de buscar um acordo que proteja o povo libanês. Nós esperamos que esse acordo pavimente o caminho para o fim da guerra de genocídio contra nosso povo em Gaza", disse o membro do grupo Sami Abu Zuhri à agência Reuters.

Por ora, nada muda na política para Gaza do premiê Benjamin Netanyahu, que foi obrigado a aceitar o cessar-fogo na fronteira norte por pressão de Biden, livre das amarras eleitorais americanas após a derrota de seu partido para Donald Trump no pleito presidencial do começo do mês.

Até aqui, o cessar-fogo parece estar funcionando, mas há questões em aberto. A principal diz respeito à capacidade de o Líbano assumir a segurança na faixa designada pela resolução 1710 da ONU (Organização das Nações Unidas), de 2006, que fracassou em estabelecer um tampão entre o Hezbollah e Israel no sul do Líbano.

O governo diz que enviará 10 mil soldados para lá, algo que nunca conseguiu fazer. As Forças Armadas do Líbano são frágeis, consistindo de 60 mil militares, e sempre foram subordinadas na prática ao maior poder de fogo do Hezbollah.

O grupo tem estimados 20 mil soldados na ativa e outros 20 mil na reserva. Mas contava com um sofisticado arsenal de mísseis e foguetes, que Netanyahu disse ter degradado a 20% do que era. Avaliações israelenses colocam em quase 2.500 os mortos do grupo na guerra atual, que se intensificou em setembro.

A Reuters teve acesso a um texto do cessar-fogo que coloca mais dúvidas na mesa. Ele afirma que apenas militares e forças de segurança interna do Líbano estarão autorizados a portar armas no país, sugerindo assim algum tipo de desarmamento do Hezbollah.

Isso não está claro ainda. Na terça (26), um deputado do Hezbollah, que também é um partido político, disse que "desarmar a resistência foi uma proposta israelense que passou". Hassan Fadlallah sugeriu à rede de TV Al Jadeed que isso não irá acontecer. "Milhares vão se unir à resistência."

Enquanto isso, outros milhares, no caso de moradores do sul libanês, se enfileiravam em seus carros para voltar à região. Lá, Israel ocupa desde o fim de setembro uma faixa que avança cerca de 6 km no território do vizinho, mas na terça foram publicadas fotos de soldados junto ao rio Litani, o marco norte do tampão estabelecido pela ONU em 2006, a 30 km da fronteira israelense.

Ainda não há esse movimento civil no Estado judeu, onde 60 mil deixaram suas casas no norte do país desde a irrupção da guerra. Segundo Sarit Zehavi, diretora do Alma, principal centro de estudos do conflito na fronteira norte de Israel, ainda é cedo para ser otimista.

"Apesar dos esforços das Forças de Defesa de Israel, milhares de foguetes ainda estão espalhados pelo Líbano, escondidos em áreas subterrâneas de difícil acesso. Além disso, a fronteira porosa com a Síria continua a favorecer o tráfico de armas, um desafio que persiste", disse ela, por e-mail. "Essas realidades significam que um desarmamento completo sempre será uma batalha morro acima, bem extrema", completou.

Em nota, o Exército israelense disse nesta terça que os intensos ataques da véspera, antes do cessar-fogo, visavam justamente interromper cadeias de distribuição de armas iranianas via a Síria. Em sua fala sobre o acordo, Netanyahu citou explicitamente a ditadura de Bashar al-Assad, dizendo que o rival não deveria "brincar com fogo".