São Paulo - Com pouco menos de um mês de antecedência, o proverbial "general inverno" irrompeu de forma furiosa na Guerra da Ucrânia, prenunciando a nova fase do conflito iniciado pela invasão russa do vizinho há 21 meses.

Nevascas e chuvas torrenciais na costa do mar Negro levaram caos a regiões mais afetadas pela guerra na Ucrânia, na Crimeia anexada e também na Rússia continental. Ataques aéreos e o uso de helicópteros militares ficaram limitados.

A mídia russa chamou o tempo severo de tempestade do século: 1,9 milhão de pessoas estavam sem energia no país, 498 mil delas na península da Crimeia, que Valdimir Putin tomou para si em 2014 após o governo pró-Rússia em Kiev ser derrubado.

Em toda a região, que registrou no fim de semana ventos de 144 km/h, ondas de até oito metros assolaram balneários. Vídeos registrados por moradores de Sochi, a mais famosa cidade costeira russa, mostraram ondas inundando ruas e invadindo prédios. O aeroporto local foi fechado.

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Na Ucrânia, 2.019 cidades em 16 regiões tiveram apagões. A neve provocou caos no trânsito em cidades como Odessa, o principal porto do país.

Todo esse caos climático antes da chegada oficial do inverno, em 22 de dezembro no Hemisfério Norte, traz uma conclusão à fase atual da guerra, iniciada com a contraofensiva ucraniana de 4 de junho.

O esforço movido por novas armas e treinamento ocidentais não deu certo, como o principal general do país, Valeri Zalujni, descreveu na sua polêmica entrevista à revista britânica “The Economist” no mês passado, que irritou o presidente Volodimir Zelenski.

O líder ucraniano sabe o momento duro pelo qual passa, com críticas domésticas, expurgo de generais e o temor de que os EUA e a Europa irão abrandar o apoio que dão a Kiev devido à avaliação de que algum tipo de acordo de paz com a Rússia é necessário, já que ganhar a guerra parece improvável.

Concorre para tal o cenário global, com atenções voltadas para a guerra Israel-Hamas, e vitórias eleitorais na Europa de céticos sobre o suporte aos ucranianos, como na Holanda na semana passada. A proximidade da campanha americana é vital, dada a disposição dos republicanos de Donald Trump de defender a retirada dos bilhões de dólares dados por Joe Biden a Kiev.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, até tentou animar Zelenski ao repetir que a Ucrânia será aceita na aliança militar ocidental após a guerra. Antes, a Alemanha havia aprovado o envio de mais defesas aéreas a Kiev, mas a essa altura trata-se de paliativo.

A avaliação vai para os dois lados: os russos também não lograram sucessos definitivos neste ano, embora tenham tido mais avanços do que os rivais. Em maio, tomaram Bakhmut (em Donetsk, leste do país) após uma sangrenta batalha, e neste momento estão fazendo uma ofensiva final antes que o tempo torne os combates mais difíceis.

Ela ocorre em Avdviika, também em Donetsk, vista como vital para o eventual controle da província - a região foi anexada ilegalmente por Moscou em setembro do ano passado, mas os russos não controlam nem 60% do território.

Zelenski diz que a luta na região é a mais intensa da guerra até aqui, e o Ministério da Defesa do Reino Unido estima em mil os mortos e feridos do lado de Moscou todos os dias na última semana - número impossível de ser aferido, e Londres não avalia as perdas de Kiev, sua aliada.

Já a contraofensiva ucraniana, que conseguiu avanços pontuais na margem ocupada do rio Dnieper, está paralisada. O cenário agora é o de rearranjo de forças visando o inverno, personagem central da historiografia militar daquela região do mundo, como os conquistadores derrotados Adolf Hitler e Napoleão Bonaparte sabem bem.

O contexto favorece a Rússia. No inverno passado, os russos atacaram sistematicamente a rede energética do rival, levando a apagões em todo o país. O temor de Kiev, até pela diminuição no ritmo de ataques com mísseis nas últimas semanas, é o de uma campanha renovada mais intensa agora.