São Paulo - No dia em que a Otan inicia uma de suas mais importantes cúpulas do pós-Guerra Fria, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse nesta terça (11) que será "um absurdo" se os líderes da aliança militar ocidental não oferecerem um cronograma para a adesão de Kiev ao time.

Com a aparente solução do veto turco à entrada da Suécia como 32º membro do grupo, a entrada da Ucrânia se coloca como principal motivo de discordância entre os países liderados pelos Estados Unidos.

Desde que a Rússia invadiu o vizinho, em fevereiro de 2022, foram Washington e seus aliados quem sustentaram o esforço de guerra de Kiev. O "casus belli", a razão central do ataque de Vladimir Putin, era justamente a possibilidade de os ucranianos aderirem ao clube militar fundado em 1949 para se opor à Moscou soviética.

Em 2008, a aliança havia deixado um convite vago no ar, e Zelenski vinha insistindo em acelerar o processo. Agora, o mesmo Putin é o problema: pelas regras existentes, se a Otan abrisse as portas a um país em guerra, entraria no conflito. E isso significa potencialmente a Terceira Guerra Mundial.

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Esta é a visão de países centrais da aliança, como EUA, Alemanha e França. Membros mais radicais, como a Polônia, são contra o comedimento, e há quem sugira que eles podem enviar tropas individualmente para apoiar Kiev, o que teria consequências imprevisíveis.

"A Ucrânia merece respeito. É sem precedentes e absurdo quando um cronograma não é estipulado nem para o convite, nem para a adesão da Ucrânia", escreveu Zelenski no Twitter. Ele confirmou que irá à cúpula, em Vilnius (Lituânia), para seu encerramento nesta quarta (12). "Não parece haver prontidão para convidar ou fazer da Ucrânia um membro", afirmou.

"Incerteza é fraqueza. E eu vou discutir isso abertamente na cúpula", disse. O Conselho Otan-Ucrânia será inaugurado na quarta como compensação à dificuldade da aliança, mas Zelenski, que no ano passado recebeu quase o equivalente a 60 vezes seu orçamento militar regular em armas e apoio bélico, promete fazer barulho.

O secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, disse que Kiev irá receber mais ajuda e garantias de segurança. "Eu espero que os aliados irão enviar uma mensagem clara, unida e positiva sobre o caminho rumo à filiação da Ucrânia", afirmou.

Há o evidente peso do sucesso, ou não, da contraofensiva tocada por Kiev desde 4 de junho, que avança muito lentamente. Coube a um membro lateral da Otan, a República Tcheca, desenhar em palavras o que os outros líderes dissimularam.

Segundo o presidente Petr Pavel, que como general serviu na Otan, a janela de progresso militar ucraniano "acaba mais ou menos no fim do ano".

"O que for alcançado deve ser a base de negociações", afirmou, divergindo do discurso oficial de apoio contínuo a Kiev, que rejeita negociar com território ocupado. Mais: Pavel disse que, com a entrada do calendário eleitoral americano no jogo, "nós veremos outro declínio na vontade de suprir a Ucrânia com mais armas de forma maciça".

Outros atores já adiantaram sua parte na conta, buscando evitar críticas. O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou ao chegar ao evento que seu país irá enviar mísseis de cruzeiro de longo alcance SCALP-EG, irmãos do britânico Storm Shadow já fornecidos para Kiev.

São armas caras, R$ 15 milhões a peça, e que têm feito diferença em ataques na contraofensiva claudicante até aqui liderada por Kiev. Já o premiê alemão, Olaf Scholz, oferece um novo pacote de R$ 3,8 bilhões que inclui duas baterias antiaéreas Patriot, 40 blindados Marder e 25 tanques antigos Leopard-1A5.

Não é nada que mudará o rumo da guerra. Nesse sentido, o polêmico envio de bombas de fragmentação anunciado pelo americano Joe Biden tende a ser mais eficaz no curto prazo, já que visa suprir a falta de munição na frente de batalha imediatamente. As armas são proibidas em 111 países, inclusive 23 dos 31 da Otan, o que gerou críticas na aliança aos EUA.

Stoltenberg tem um rosário adicional de problemas para desfiar, como a questão da reestruturação do gasto militar da Otan e o papel que a aliança dá à China em sua visão geopolítica. Nos últimos anos, os EUA conseguiram colocar o rival central da Guerra Fria 2.0 como prioridade de segurança europeia, mas há resistências dadas às relações comerciais do continente com o país asiático.

Ele pôde, nesta terça, contudo comemorar. O acordo segundo o qual o presidente turco Recep Tayyip Erdogan disse ter dado luz verde para a entrada da Suécia na aliança, após ter seu caminho barrado enquanto a vizinha Finlândia era aceita em abril.

Os detalhes estão emergindo, como a entrega de caças americanos e promessas de reabertura de negociações para Ancara aderir à União Europeia, mas só o anúncio fez Erdogan salvar o dia. Se todo o resto der errado, Stoltenberg ainda poderá vender a admissão sueca como uma vitória da cúpula.