São Paulo - Do tráfico de mulheres em Dubai aos cartéis de drogas no México, da limpeza étnica na Etiópia a ataques contra muçulmanos na Índia, o Facebook tem sido utilizado para incentivar atividades criminosas e discurso de ódio contra minorias e falhou em proteger seus usuários em zonas de conflitos e em países onde a desinformação tem potencial de causar mais danos.

O Facebook opera em mais de 190 países e tem mais de 2,8 bilhões de usuários mensais que postam conteúdo em 160 idiomas
O Facebook opera em mais de 190 países e tem mais de 2,8 bilhões de usuários mensais que postam conteúdo em 160 idiomas | Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

Segundo documentos internos vazados por uma ex-funcionária e divulgados nos últimos dias por um consórcio de 17 veículos de comunicação, a empresa se expandiu globalmente sem investir o suficiente na moderação de suas plataformas, especialmente em países onde não se fala inglês. A companhia opera em mais de 190 países e tem mais de 2,8 bilhões de usuários mensais que postam conteúdo em 160 idiomas.

Os documentos foram recolhidos por Frances Haugen, que trabalhou na equipe dedicada à integridade cívica no grupo de Mark Zuckerberg, antes de deixar a empresa, em maio, e enviados ao Congresso americano e ao grupo de meios de comunicação - a série vem sendo chamada de Facebook Papers ou Facebook Files.

Apesar de esforços para enfrentar a desinformação terem sido bem-sucedidos em alguns lugares, a resposta tem sido insuficiente em vários outros, afirmam as reportagens do consórcio. No fim de 2020, por exemplo, um relatório interno mostrou que apenas 6% do conteúdo de ódio postado em árabe no Instagram - rede social que faz parte do grupo - foi detectado. Outro estudo mostrou que menos de 1% do material classificado como discurso de ódio em um período de 30 dias no Afeganistão foi identificado pelas ferramentas de moderação automática.

Anúncios atacando mulheres e pessoas LGBTQ raramente foram sinalizados no Oriente Médio, e uma pesquisa recente no Egito revelou que usuários têm medo de serem presos ou atacados após postarem suas visões políticas na plataforma, informou nesta segunda-feira (25) o Politico, um dos integrantes do consórcio de imprensa que teve acesso aos documentos.

O site cita ainda o exemplo do Iraque, onde milícias sunitas e xiitas usaram ciber-ativistas para postar material profano e ilegal nas contas dos rivais, em uma tentativa de que elas fossem removidas.

No ano passado, de acordo com os documentos, apenas 13% das horas de trabalho da equipe de moderação de desinformação foram dedicadas a países fora dos EUA, cujas populações compreendem mais de 90% dos usuários da plataforma, mostrou uma reportagem publicada pelo site The Atlantic, outro membro do consórcio.

A reportagem afirma que a empresa não investiu em idiomas e dialetos falados fora dos EUA e da Europa tanto para suas ferramentas de inteligência artificial quanto para equipes que moderam conteúdo. Diz ainda que o Facebook está ciente de que seus esforços são insuficientes para combater o problema, citando um relatório de março de 2021 mencionando que essas "atividades coordenadas e intencionais" são especialmente prevalentes e problemáticas em países e contextos de risco e que "as atuais estratégias de mitigação são insuficientes".

De acordo com a reportagem, se nos Estados Unidos há críticas sobre o papel da plataforma em disseminar teorias da conspiração que levaram, por exemplo, à invasão do Capitólio em 6 de janeiro por partidários do ex-presidente Donald Trump, em outros países a situação é mais grave.

"Esses documentos mostram que o Facebook que temos nos Estados Unidos é, na verdade, a plataforma em sua melhor versão. É a versão feita por pessoas que falam nossa língua e entendem nossos costumes, que levam nossos problemas cívicos a sério por serem problemas deles também. É a versão que existe em uma internet gratuita, sob um governo relativamente estável, em uma democracia forte. É também a versão à qual o Facebook dedica mais recursos de moderação", sintetiza o The Atlantic.

"Em outros lugares, segundo os documentos, as coisas são diferentes. Nas partes mais vulneráveis do mundo - locais com acesso limitado à internet, onde um número menor de usuários significa que os malfeitores têm influência desproporcional -, os erros que o Facebook comete podem ter consequências mortais."

Um exemplo concreto é o da Etiópia, país que vive uma guerra civil desde o ano passado na região do Tigré, no norte. Segundo reportagem desta segunda-feira (25) da CNN, um relatório interno de março deste ano afirma que grupos armados no país têm usando a plataforma para incitar à violência contra minorias étnicas.

Um desses grupos, acusado de cometer assassinatos, estupros e outras brutalidades contra civis no conflito, usava a plataforma para promover batalhas, recrutar soldados e arrecadas fundos. Embora a equipe do Facebook tenha recomendado que a rede afiliada à milícia fosse retirada do ar, o relatório afirma que os esforços não têm sido suficientes.