São Paulo - O jogo diplomático em torno da grave crise de segurança no Leste Europeu ganhou novas matizes nesta sexta (28), com os Estados Unidos ironizando o tom menos agressivo adotado pela Rússia acerca de suas movimentações militares na fronteira da Ucrânia.

Militares ucranianos recebem treinamento na cidade de Lviv, nas proximidades da fronteira com a Polônia
Militares ucranianos recebem treinamento na cidade de Lviv, nas proximidades da fronteira com a Polônia | Foto: AFP

Numa pouco usual entrevista on-line em que usou termos francos para falar da crise, o embaixador americano em Moscou, John Sullivan, afirmou que "se eu coloco uma arma na mesa e digo que venho em paz, isso é ameaçador, e é isso que nós vemos agora".

Ele se refere ao envio de um contingente de 100 mil a 175 mil soldados russos, mais equipamento, às fronteiras ucranianas para pressionar o Ocidente a aceitar um pacto de estabilidade no Leste Europeu.

Mais cedo, o chanceler russo, Serguei Lavrov, havia repetido que seu país não pretende invadir a Ucrânia, como dizem Kiev e os membros da Otan, a aliança militar de 30 países liderada pelos EUA, apesar de as opções militares terem sido explicitadas.

"No que depender da Rússia, não haverá guerra. Nós não queremos uma guerra. Mas não iremos permitir que [o Ocidente] ignore rudemente e pise nos nossos interesses", completou, ao falar com rádios russas.

Seu tom foi seguido pelo aliado Aleksandr Lukachenko, o ditador da Belarus que recebeu apoio do presidente Vladimir Putin em sua marcha para esmagar a oposição que protestou contra mais uma eleição roubada no país, em 2020.

Tropas russas estão em Belarus em manobras militares que, em conjunto com outras na Crimeia anexada em 2014 e em regiões a leste da Ucrânia, permitem em tese ataques coordenados por três frentes contra o regime de Kiev.

"Guerra é uma coisa ruim e terrível. Não haverá vitória numa guerra, todos iremos perder, por isso que nós não queremos guerras, já tivemos demais", afirmou em Minsk. Ele comparou a situação com 1941, quando os nazistas invadiram a União Soviética, da qual tanto Belarus quanto Ucrânia faziam parte.

"Hoje, a vida é totalmente diferente do que era em 1941. As pessoas eram mais simples, tinham uma vida mais simples e não confortável como a nossa hoje. Deus proíba o início de uma guerra, porque uma das primeiras coisas que teremos de fazer será deixar nossa vida confortável para trás e enfrentar a dureza da guerra. Quem quer isso? Ninguém", disse.

Sullivan afirmou que os EUA esperam uma resposta do Kremlin sobre a resposta formal dada pelo governo de Joe Biden às demandas russas para estabilizar a situação.

Putin quer que a Otan volte a seu formato de 1997, anterior ao início de sua expansão a leste, que aproximou tropas e armas das fronteiras russas. Historicamente, o centro-norte europeu é a avenida pela qual exércitos invadiram a Rússia – suecos no século 18, franceses no 19, alemães duas vezes no 20.

Além disso, há o componente político, já que o Kremlin vê risco de agitação interna se países antes aliados se tornarem democracias ocidentais. Por isso, mantém a firme aliança com Belarus e, em 2014, interveio para evitar que o golpe que derrubou o governo pró-Moscou em Kiev tornasse o país parte da Otan.

Deu certo até aqui. A Crimeia foi anexada e o leste do país, o Donbass, virou um protetorado de separatistas russos étnicos. Uma solução para a questão pendente está no plano russo.

Putin ainda pediu que a Ucrânia nunca faça parte da Otan. As demandas foram recusadas pelos EUA e também pela aliança, como seria previsível, mas há pontos em que pode haver avanços: controle de armas nucleares e mecanismos de monitoramento mútuo de exercícios militares.