Estados republicanos demoraram mais para impor restrição e reabrem antes
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terça-feira, 05 de maio de 2020
PAULO PASSOS
AUSTIN, EUA (FOLHAPRESS) - Epicentro da pandemia da Covid-19, com mais de 1,1 milhão de contaminados, os EUA executam desde a segunda quinzena de abril um plano de reabertura. Mais da metade dos 50 estados do país flexibilizou medidas adotadas para o isolamento social.
O movimento não é uniforme e expõe diferenças entre republicanos e democratas na execução de ações contra a pandemia.
Dos 26 estados governados por republicanos, apenas 6 seguem com medidas mais restritivas, que impedem abertura de serviços como restaurantes e outros comércios. Dos 24 com democratas, 18 ainda estão fechados - 2 (Pensilvânia e Rhode Island) têm previsão para abertura parcial na sexta (8).
O fato de que há mais estados democratas localizados em áreas com maior índice de contaminação tem influência na diferença, mas não é a única explicação. Dos 25 estados com mais casos, 11 são republicanos - desses, 7 flexibilizaram medidas de isolamento. Entre os 14 democratas, foram apenas 2.
"Até mesmo governadores republicanos que queriam ações mais restritivas para combater a propagação do vírus enfrentaram oposição do presidente do EUA", afirma o cientista político Christopher Adolph, da Universidade de Washington, que coordenou uma pesquisa sobre a adesão às medidas de restrição adotadas em razão da pandemia nos EUA.
O estudo chegou à conclusão que estados republicanos demoraram, em média, 2,7 dias a mais para implementar ações restritivas, como o "lockdown", em março. Nenhum outro dado analisado, como renda per capita, índice de contaminação em áreas vizinhas e número de casos confirmados no próprio estado, teve influência maior na tomada de decisão do que o aspecto ideológico.
Segundo uma pesquisa de opinião do Pew Research Center, entre eleitores republicanos é menor o índice de aprovação às medidas tomadas para tentar conter a pandemia.
Norte-americanos que declararam votar nos dois maiores partidos dos EUA - Democrata e Republicano - foram questionados sobre sete medidas: voos internacionais suspensos, eventos de esporte e entretenimento cancelados, escolas fechadas, aglomerações limitadas a dez pessoas, comércios fechados e eleições adiadas.
O índice de aceitação a elas é maior entre os democratas em seis dos sete pontos questionados. A restrição à chegada de voos com pessoas vindas de outros países é a única medida em que a aprovação entre os eleitores do partido do presidente Donald Trump supera a dos rivais - 96% contra 94%.
Em abril, Trump divulgou o plano batizado de "Opening Up America Again" para a reabertura dos EUA em meio à pandemia. A Casa Branca recomendou um processo de flexibilização das medidas de forma gradual. Orientou os estados a avançarem após garantirem capacidade hospitalar mínima exigida pelo CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças), diminuição sustentada dos casos de Covid-19 por 14 dias e alto nível de testagem - o que não existe na maior parte do país.
"Os americanos querem a América aberta", disse Trump, no dia 17 de abril. "Estamos começando nossa vida novamente, estamos ativando nossa economia novamente de uma maneira segura, estruturada e muito responsável."
O republicano disputará a reeleição em novembro tendo que lidar com os efeitos da queda na atividade econômica. Mais de 30 milhões de pessoas perderam o emprego nos EUA desde março.
"As perdas econômicas com as medidas de fechamento crescem com o tempo porque, sem emprego, as reservas dos cidadãos desempregados têm fim", afirma Norbert J. Michel, diretor do Centro de Análises de Dados da Heritage Foundation, um centro de pesquisa de orientação conservadora que apoia Trump.
"Os políticos precisam considerar o custo econômico ao decidir sobre a manutenção ou a flexibilização das medidas de isolamento social", completa.
Cientistas temem que a reabertura provoque uma nova onda de contaminações. A especialista em infecções da universidade Johns Hopkins alerta que a maioria dos americanos não foi exposta ao vírus. "As condições que permitiram que ele se espalhasse pelo país nos últimos meses não mudaram", disse ela ao New York Times.
Em abril, os EUA chegaram a ter mais 90% do seu território afetados por medidas de restrição de circulação. Em estados como Dakota do Sul, porém, serviços e indústrias seguiram funcionando.
"Eu confiei no meu povo", afirmou a governadora republicana Kristi Noem em entrevista à Fox News. Seu estado teve 2.600 casos confirmados da doença.
Ao analisar as políticas públicas para tentar conter a pandemia, William Howell, da Universidade de Chicago, apontou um componente geográfico na diferença no número de casos e nas ações adotadas. Democratas representam estados com áreas urbanas, que foram as mais atingidas pela Covid-19. Já os republicanos estão mais concentrados em áreas rurais, onde a propagação do vírus foi menor.
"Houve algumas exceções, mas o que temos até aqui são os republicanos seguindo as orientações do presidente, enquanto os democratas são mais abertos às orientações de especialistas da saúde", afirmou Howell ao jornal Chicago Tribune.
Ohio é uma das exceções. Republicano, o governador Mike DeWine foi o primeiro a adotar medidas rígidas de restrição, como o fechamento de escolas e o adiamento das primárias, em 12 de março, quando Trump ainda negava a gravidade da pandemia.
DeWine viu sua popularidade subir desde então. Segundo pesquisa da universidade Baldwin Wallace, a atuação dele durante a pandemia é aprovada por 85% dos eleitores no estado.
Na última semana, Ohio anunciou que lojas e restaurantes continuarão fechados até o final de maio. Fábricas e obras foram liberadas, com obrigatoriedade do uso de máscaras.
"Sem máscara, sem trabalho, sem serviço, sem exceção", afirmou DeWine em pronunciamento na segunda-feira (4).