São Paulo - Em 2006, seu oitavo ano de mandato, o então presidente venezuelano Hugo Chávez (1954-2013) afirmou que se deveriam armar 1 milhão de venezuelanos. O objetivo de ter a população armada, segundo disse Chávez, era defender o país contra uma suposta invasão dos Estados Unidos. "A Venezuela precisa ter 1 milhão de homens e mulheres bem equipados e bem armados", disse o líder esquerdista em uma manifestação em fevereiro daquele ano, após ter negociado a importação de 100 mil fuzis da Rússia e fechar acordo bilionário com a Espanha para a compra de equipamentos militares.

"Peço permissão para comprar outro carregamento de armas, porque os gringos querem nos desarmar. Temos de defender nossa pátria", afirmou o então presidente, que disse negociar a venda de armas com nações "com as quais os EUA não vão poder fazer nada para impedir o equipamento do país".

As falas ecoam o sentimento expresso pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em vídeo de reunião ministerial de abril, divulgado pelo Supremo Tribunal Federal na última sexta (22). Citando uma reação a atitudes de governadores e prefeitos nos esforços de controle da pandemia, Bolsonaro defendeu armar toda a população. "Eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da p... aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo!". "Por que eu estou armando o povo?", acrescentou. "Porque eu não quero uma ditadura. E não dá pra segurar mais. Não é? Não dá pra segurar mais".

Mais tarde, na mesma sexta-feira, em entrevista na frente do Palácio da Alvorada, Bolsonaro reafirmou a intenção. Ele disse que o vídeo mostra sua "preocupação em armar o povo". "O melhor exército que pode existir para conseguir a liberdade é o povo armado. Eu não quero ditadura no Brasil, quero liberdade", disse.

Assim como Bolsonaro, Chávez ascendeu na política após começar a carreira no Exército. Tentou um golpe militar fracassado em 1992 e subiu ao poder por eleições livres, em 1999. O ano de 2006, quando proferiu o discurso armamentista, marcou sua reeleição presidencial. Ele ficou no poder até 2013, quando morreu em decorrência de um câncer e passou o poder ao também bolivariano Nicolás Maduro.

CRISE SANITÁRIA

Maduro segue no governo da Venezuela até hoje, tendo aprofundado a crise econômica e a escalada autoritária no país e as acusações de violações de direitos humanos contra cidadãos venezuelanos. A pandemia de coronavírus tem potencial de ampliar a crise humanitária na Venezuela, ainda que o número de mortos e infectados divulgado pelo governo continuem baixos. Médicos independentes, no entanto, desconfiam dos dados. Assim como Bolsonaro, Maduro exalta a cloroquina como resposta efetiva contra a Covid-19, sem respaldo científico.