Napolão Sabóia
Agência Estado
De Paris
O forte crescimento da população mundial, a falta de saneamento nas regiões pobres do planeta, a globalização facilitando o deslocamento rápido dos microorganismos, a poluição, as mudanças climáticas e a generalização incontrolada do uso de antibióticos são as causas mais apontadas pelos especialistas europeus para prever o surgimento de doenças infecciosas no próximo século – e o agravamento das já existentes.
Em recente colóquio promovido pelo Escritório de Análise e Previsão da Unesco, o assunto foi discutido pelos médicos Luc Montaigner, co-descobridor do vírus da Aids, e David Heymann, diretor da Divisão de Doenças Transmissíveis da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ambos concordaram no prognóstico global: o alcance maior ou menor das enfermidades emergentes e reemergentes dependerá basicamente do nível de melhoria das condições sócio-econômicas das populações, das ações de prevenção sanitária e do acesso aos medicamentos.
Montaigner, da Academia de Medicina da França, observa que o aparecimento de doenças infecciosas sempre esteve ligado aos deslocamentos de populações e à globalização progressiva do mundo. Mas o Século XX adicionou novas causas ao aparecimento e reaparecimento de doenças: o forte crescimento da população, ‘‘inédito na história da Humanidade e que fez surgirem cidades gigantes em torno das quais se criou um mundo marginal’’, e a globalização. ‘‘Os germes podem hoje se deslocar na mesma velocidade dos aviões, eles se adaptam sem dificuldade às condições de seu novo habitat e se propagam, de preferência, no seio das populações mal preparadas, vulneráveis do ponto de vista sanitário.’
A poluição, diz o especialista, contribui ao fazer do ar um agente capaz de enfraquecer o organismo humano. ‘‘Assim, é provável que as doenças alérgicas aumentem, porque a poluição nas grandes cidades em geral superou os limites toleráveis’’, argumenta. ‘‘O aumento da esperança de vida criou, por sua vez, condições favoráveis ao desenvolvimento das doenças crônicas como as doenças cardiovasculares, o câncer e as enfermidades neurodegenerativas.’
Emergentes Heymann observa que as doenças emergentes ‘‘não poupam nenhum país’’, como a Inglaterra da ‘‘vaca louca’’ e o Japão, que enfrenta a grave epidemia causada pelo germe Escheríchia coli 157. Mas lembra que os países em desenvolvimento terão, obviamente, um desafio a mais a enfrentar neste campo. ‘‘Os países do Terceiro Mundo têm problemas econômicos e sociais que acentuam as dificuldades para que seja contida a propagação das enfermidades infecciosas, como a tuberculose, o cólera e a malária, que reaparecem em razão da falência dos sistemas de saúde’’, analisa.
Nos países da antiga União Soviética, por exemplo, a difteria reapareceu em escala epidêmica. O cólera, lembrou, também ressurgiu na América Latina nos últimos anos, mas, ‘‘felizmente, não tomou as proporções epidêmicas previstas de início, apesar da insuficiência dos sistemas de saneamento e abastecimento de água.’’Globalização, pobreza e mudanças climáticas favorecem o aparecimento de novas enfermidades e o agravamento da já existentes
Arquivo FolhaTERCEIRO MUNDO Técnica da Saúde recolhe amostras de água poluída em Paranaguá, onde surgiram foco de cólera. A falta de saneamento básico é um dos principais vetores para o alastramento de doenças infecciosas, principalmente nos países subdesenvolvidos.