São Paulo - Entender uma eleição presidencial francesa ficou mais difícil desde 2017, quando a escolha de Emmanuel Macron quebrou a lógica de um segundo turno invariavelmente decidido no confronto de um socialista com um candidato mais à direita. Macron representa algo bem próximo ao populismo de centro. Hoje aos 44 anos, ele é favorito para ser reeleito no pleito que terá neste domingo (10) seu primeiro turno.

Mas o fato de a França não estar mais polarizada torna mais complicado pintar seu retrato político. Pois a tarefa foi muito bem executada pelo documentário "Democracia - O Enigma Francês", da GloboNews. A equipe responsável não caiu na armadilha de entrevistar uma sucessão de especialistas que passearia do ensaio para o jornalismo e daria no máximo um caleidoscópio de opiniões. Bertrand Badie foi o único cientista político entrevistado. E ele foi simples e direto, afirmando, por exemplo, que hoje a França tem menos debates intelectuais, e que, por isso, a liberdade política não é tão exercida.

A palavra ficou com os próprios eleitores, que por vezes de maneira simplista explicavam as razões que os levavam a escolher determinado candidato. Por exemplo. Na cidade portuária de Marselha, sul da França, uma muçulmana e mãe solteira discorre sobre suas dificuldades, embates com o racismo e com a reputação de terrorista que se abate sobre essa parcela da comunidade a que pertence –são muçulmanos entre 7 milhões e 9 milhões dos 63 milhões de franceses. Ela votará em Jean-Luc Mélenchon, deputado da esquerda de 71 anos, líder do movimento França Insubmissa.

A eleitora de Marselha afirma que ele pretende unificar os franceses, em vez de dividi-los de acordo com a religião ou origem étnica. Detalhe curioso: Mélenchon, em terceiro lugar nas pesquisas, é o único concorrente medianamente viável entre os seis que a esquerda apresentou. Sem qualquer viabilidade estão os candidatos do Partido Socialista (a prefeita de Paris, Anne Hidalgo) e do minúsculo Partido Comunista (Fabien Roussel), que no pós-Guerra chegou a um terço do eleitorado e é hoje simples figurante do jogo presidencial.

Numa aldeia no norte da França a GloboNews entrevistou um velho operário desempregado –a tecelagem em que ele trabalhava fechou– convertido a jardineiro da prefeitura e, aos fins de semana, a agitador do movimento conservador dos coletes amarelos. O cidadão é eleitor de Marine Le Pen, do partido de ultradireita Reunião Nacional. Le Pen tem uma plataforma calcada na xenofobia e pretende, se eleita, convocar um referendo sobre o sentido jurídico da nacionalidade francesa – o que é um jeito de excluir das vantagens previdenciárias os imigrantes árabes e da África subsaariana.

A ultradireita tem outro candidato, Eric Zemmour, cujo partido se chama Reconquista. É a palavra usada há 600 anos pelos espanhóis para designar a expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica. O entrevistado da corrente foi um estudante de direito de Paris, um eleitor para quem a cultura cristã na França corre o risco de se tornar minoritária. A candidata presidencial da direita tradicional, cujo partido é descendente distante daquele fundado pelo general Charles de Gaulle, chama-se Valérie Pécresse, cujo grosso da base eleitoral está entre os maiores de 60 anos e que traz, em seu programa, as angústias da terceira idade. A eleitora entrevistada é uma pequena caricatura da mulher um pouco além da meia-idade, que carrega os critérios de admiração semelhante ao do público jovem do rock. Dois outros personagens completam o quadro de entrevistados pelo documentário. Há o cantor de rap de um subúrbio parisiense, parte dos agnósticos da política partidária. E, por fim, um imigrante que há 15 anos fugiu da guerra civil da Costa do Marfim e é hoje segurança de um shopping próximo a Paris. Ele obteve há alguns meses a cidadania francesa, não revela com todas as letras em quem vai votar. Mas dá claramente a entender que apoia incondicionalmente – da defesa da mulher agredida à guerra na Ucrânia– o presidente Emmanuel Macron.