São Paulo - Numa aparente estratégia morde-e-assopra, a ditadura de Mianmar determinou nesta terça (1º) anistia e redução das penas de milhares de presos. O anúncio ocorre um dia após os militares prorrogarem o estado de exceção em vigor no país por mais seis meses, em ação que recrudesceu o regime no poder.

Entre os contemplados está a ex-líder civil Aung San Suu Kyi, de 78 anos, vencedora do Nobel da Paz e símbolo da luta da sociedade mianmarense por democracia. O regime anulou 5 dos 19 crimes pelos quais ela foi condenada, reduzindo sua pena de 33 para 27 anos.

A anistia por ocasião da quaresma budista, uma prática frequente no país para celebrar as festas religiosas, beneficia mais de 7.000 presos no país asiático, segundo a imprensa local. No caso de Suu, deposta e presa no golpe militar de fevereiro de 2021, ela terá de continuar detida em regime fechado.

Analistas ponderam que o perdão parcial concedido à ativista é uma medida simbólica que anula apenas condenações menores. Uma delas está relacionada à violação de uma lei de mitigação de desastres por quebrar as regras de isolamento impostas na pandemia de coronavírus durante a campanha eleitoral.

Após o golpe, Suu Kyi foi julgada por mais de uma dúzia de crimes - acusações que alguns dizem ter como objetivo garantir que ela nunca mais retome a atividade política. A comunidade internacional encara os julgamentos como uma farsa, embora o regime insista que ela foi submetida a um processo justo.

A ativista nega todas as acusações pelas quais foi condenada, desde incitação à violência até a corrupção, e apela contra elas. Na semana passada, a ex-líder foi transferida da prisão para um edifício do governo, segundo um integrante de seu partido político, o Liga Nacional pela Democracia (NLD).

O estado de saúde de Suu Kyi é motivo de preocupação desde sua detenção. Especialistas apontam que ela foi submetida a condições de estresses físicos e psicológicos durante os julgamentos em um tribunal da junta militar, que a obrigou a comparecer a audiências quase diárias.

O ex-presidente Win Myint também foi contemplado por um indulto parcial. Assim como Suu Kyi, ele também continuará preso. A imprensa estatal informou que 125 prisioneiros estrangeiros serão perdoados e liberados. Alguns detentos que haviam sido condenados à pena de morte tiveram suas penas revertidas em prisão perpétua.

O Exército de Mianmar assumiu o poder do país em 2021, por meio de um golpe de Estado. Desde então, ofensivas contra minorias étnicas e confrontos com opositores têm sido frequentes, em atos de repressão que incluem ataques aéreos e uso de armas pesadas mesmo em áreas habitadas por civis. A ONU (Organização das Nações Unidas) estima que ao menos 1,2 milhão de pessoas tenham sido desalojadas pelos enfrentamentos depois do golpe.

Desde então, a junta à frente da ditadura prometeu realizar eleições, mas vem atrasando o prazo de um ano inicialmente estabelecido e usando a violenta guerra civil que ocorre no país como pretexto.

Para além das mortes de trabalhadores humanitários, ele afirmou que a ONU calcula, segundo fontes confiáveis - sem detalhar quais -, que ao menos 3.747 pessoas morreram em ações dos militares desde fevereiro de 2021 e outras 23,7 mil foram detidas pelo regime.

Um outro relatório, este do Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo, na Noruega, traz cifra maior e afirma que 6.000 civis morreram nos 20 meses que se seguiram ao golpe.

"Nossos dados mostram que as perdas do conflito são superiores do que se dizia e que, embora a junta seja claramente a principal culpada, as forças de oposição também têm muito sangue nas mãos", afirmou um dos autores do estudo, Stein Tønnesson.

Apesar do isolamento, a ditadura tem tido certo apoio internacional. O Conselho de Segurança da ONU segue dividido sobre como lidar com a crise do país, com China e Rússia se opondo a uma intervenção.