São Paulo - Dezenas de diplomatas do mundo todo boicotaram dois discursos do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, proferidos durante painéis da ONU (Organização das Nações Unidas) em Genebra nesta terça-feira (1º). Vídeos do protesto mostram que o representante do Brasil não se juntou ao grupo. Também não o fizeram diplomatas de países como Venezuela, Iêmen, Argélia, Síria, Tunísia e China.

A reportagem questionou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil sobre a postura do país diante do boicote, mas não obteve resposta até a publicação deste texto. A posição do Brasil, até aqui, tem sido ambígua em relação à guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo em que o país condena a invasão russa em fóruns internacionais, o presidente Jair Bolsonaro tem repetido que a posição do país é de neutralidade.

Dois discursos de Lavrov, gravados em vídeo, foram transmitidos em Genebra. O primeiro, na Conferência sobre Desarmamento, e o segundo, no Conselho de Direitos Humanos, ambos instâncias da ONU. Nas duas ocasiões, o chanceler usou o espaço para justificar a guerra empenhada pela Rússia na Ucrânia.

Boicote em reunião na ONU ocorreu paralelamente ao avanço de tropas russas no país vizinho
Boicote em reunião na ONU ocorreu paralelamente ao avanço de tropas russas no país vizinho | Foto: Sergey Bobok/AFP

O primeiro boicote ocorreu enquanto o russo acusava a Ucrânia de comprar armas nucleares. "O perigo que o regime do [presidente ucraniano Volodimir] Zelenski representa para os países vizinhos e para a segurança internacional em geral aumentou substancialmente depois que as autoridades instaladas em Kiev entraram em um jogo perigoso com planos de adquirir suas próprias armas nucleares", disse o chanceler, no que tem sido visto por países do Ocidente como propaganda de guerra.

A plenária da Conferência de Desarmamento ficou quase vazia após mais de cem diplomatas de 40 países ocidentais e aliados se retirarem da sala. Menos de uma hora depois, no Conselho de Direitos Humanos, a cena se repetiu, e os diplomatas que realizaram o protesto se reuniram com uma bandeira da Ucrânia.

Uma semana antes de a Rússia invadir a Ucrânia, Bolsonaro visitou o presidente russo, Vladimir Putin, sob a justificativa da necessidade de ampliar laços comerciais com Moscou, em ato condenado por países como os EUA.

O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, informou que mais de cem brasileiros conseguiram deixar a Ucrânia e chegar a países fronteiriços, principalmente Polônia e Romênia, após a invasão da Rússia.

Também nesta terça, uma torre de TV em Kiev, capital ucraniana, foi atingida por uma explosão. Segundo o Serviço de Emergência do Estado da Ucrânia, cinco pessoas morreram e outras cinco ficaram feridas. Desde o fim de semana, as forças russas tentam fechar o cerco à cidade.

Ataque a torre de televisão em Kiev ocorreu nas proximidades de memorial do Holocausto
Ataque a torre de televisão em Kiev ocorreu nas proximidades de memorial do Holocausto | Foto: Sergei Supinski/AFP

O prefeito Vitali Klitschko informou que dois mísseis atingiram a torre e todas as vítimas passavam pela calçada. Imagem divulgada pelo canal verificado do Telegram do governo ucraniano mostra a explosão. "Os canais ficarão fora do ar temporariamente. Em breve, a energia de backup será ligada para restabelecer a transmissão", informou.

O governo de Israel condenou o ataque, que ocorreu na mesma região de um importante memorial em homenagem a judeus mortos pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. O bombardeio aconteceu nas proximidades de Babi Yar, onde em 1941 mais de 30 mil judeus foram mortos em apenas dois dias.

"Pedimos que a santidade do local seja preservada e honrada", disse o ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid, que também expressou sua "tristeza pela perda de vidas humanas" desde a invasão russa da Ucrânia na semana passada. A nota, porém, não chega a mencionar diretamente a Rússia.

O centro de memória do Holocausto Yad Vashen, memorial oficial do Estado de Israel, por sua vez, foi mais certeiro: condenou de forma "veemente" o que descreveu como um "ataque russo mortal nas proximidades do memorial do Holocausto".

O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, conversou por telefone com o chanceler da Ucrânia - a convite do ucraniano- nesta terça-feira (1º), no primeiro diálogo formal entre os dois países desde que a Rússia deu início à guerra na última semana.

O diálogo, de acordo com os relatos oficiais de ambas as diplomacias, sinaliza uma mudança de tom na abordagem chinesa ao conflito. Pequim é aliada de Moscou e, até agora, absteve-se de condenar a invasão nas reuniões do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Na conversa, não houve qualquer crítica por parte de Wang à ofensiva militar da Rússia ou ao presidente Vladimir Putin. Mas o chinês expressou algum nível de solidariedade a seu homólogo em Kiev ao se dizer "extremamente preocupado com os danos aos civis" da Ucrânia.

Em comunicado, o governo ucraniano afirmou que o chanceler Dmitro Kuleba, por sua vez, pediu aos chineses que usem os laços com o governo russo para tentar acabar com a guerra. Kuleba teria recebido em resposta a promessa de que a China fará "todos os esforços" para resolver o conflito por meio da diplomacia.

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