SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em mais um capítulo da Guerra Fria 2.0 que trava com a emergente China, temperada pelo impacto da Covid-19, os Estados Unidos querem concentrar a produção de chips avançados em seu território.

Diferentemente de grandes cadeias produtivas globais, que têm na China um elo sob forte estresse devido à restrição de movimentos causada pela pandemia, o problema aqui é Taiwan.

País que Pequim considera território rebelde seu, a ilha sedia a TSMC (Companhia de Manufatura de Semicondutores de Taiwan), a maior fornecedora de chips do mundo.

Ela é uma "fundição", como se diz no mercado, fabricando chips desenhados por outras empresas, e faturou US$ 35,7 bilhões (R$ 210 bilhões hoje).

Com a americana Intel, fornece 90% dos modelos avançados do mercado.

São considerados assim chips que têm arquitetura inferior a 10 nanômetros entre seus terminais de transistores. Para se ter uma ideia da escala, um fio de cabelo tem 100 mil nanômetros -a unidade significa um bilionésimo de metro.

Com uma distância entre os terminais tão ínfima, é possível incluir milhões a mais de conexões na peça, aumentando sua velocidade de processamento.

Há dezenas de fabricantes no mercado, mas apenas a TSCM, a Intel e a sul-coreana Samsung fazem chips tão potentes, alguns com apenas 5 nanômetros

Os americanos produzem tanto em casa quanto fora, e a TSCM é fornecedora de quase todas as grandes americanas e da gigante chinesa Huawei.

A empresa, líder em tecnologia de internet 5G, está no centro de uma batalha econômica: o governo Donald Trump vem pressionando aliados, inclusive o Brasil, a não adotar equipamentos chineses em suas futuras redes da nova geração de tecnologia digital.

Além de servir aprosaicas geladeiras inteligentes, o 5G está no centro da revolução de aplicações militares, da fusão de dados em tempo real aos caças e tanques sem pilotos.

Segundo reportagem publicada na terça (11) pelo americano The Wall Street Journal, o Pentágono está conversando com a TSCM, para abrir uma fundição no país, e com a Intel, para expandir sua produção.

Em 2019, o Pentágono divulgou documento afirmando que a segurança digital dos EUA dependia excessivamente do mercado asiático.

"Taiwan, em particular, é o principal ponto frágil para as maiores e mais importantes empresas de tecnologia dos EUA", diz o relatório.

Isso antes da disrupção da Covid-19. A questão é que Taiwan está muito próxima da China, que tem em sua política externa a reunificação com a ilha como prioridade.

Em sua guerra com a Huawei, a administração Trump já tentou reduzir o fornecimento de chips da TSMC para os chineses, sem sucesso.

Se forçar a mão, com sanções à venda no mercado americano, por exemplo, o tiro pode ser no pé: quebrar os taiwaneses só reforçaria o desenvolvimento autóctone chinês de chips.

Na mão contrária, Taiwan precisa reforçar seus laços com os EUA, dado que o "éthos" nacional é de confronto com a China.

Não sem motivo: desde a irrupção da pandemia, o nacionalismo está em alta em Pequim, com "falcões" ligados às Forças Armadas escrevendo artigos sobre a hoje bastante improvável anexação à força de Taiwan.

Todas esses matizes diferenciam esse mercado de outros, como o de farmacêuticos, que também têm suas cadeias produtivas atuais questionadas: 90% dos antibióticos consumidos nos EUA têm princípio ativo chinês.

Ao WSJ, a TSMC não negou as conversas relatadas em trocas de e-mails, mas dissimulou suas intenções. Já um dos vice-presidentes da Intel, Greg Slater, disse que a empresa pensa seriamente no assunto.

Segundo relatório da consultoria americana McKinsey, o impacto do novo coronavírus na produção mundial de semicondutores será de 5% a 15%, o que também deverá estimular rearranjos.

O texto prevê impactos diferentes, sendo que um dos maiores tombos pode ser visto numa área que já sofre com a interrupção das cadeias produtivas na crise, a automotiva.

Segundo o órgão que reúne as estatísticas do setor, o WSTS (Estatísticas Mundiais do Comércio de Semicondutores, na sigla inglesa), em 2019 o faturamento com chips, processadores, unidades de memória e afins chegou a US$ 409 bilhões (R$ 2,4 trilhões).