A tensão entre a Rússia e a Ucrânia tem atraído o holofote do mundo todo. A reportagem da Folha conversou com membros da comunidade ucraniana do Paraná sobre esse momento bastante conturbado, com o posicionamento de tropas russas na fronteira entre os dois países e com o pedido da Rússia para que a Ucrânia jamais integre a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

De acordo com a Representação Central Ucraniano-Brasileira, há cerca de 600 mil descendentes de ucranianos no país. Desse total, cerca de meio milhão de pessoas residem no Paraná e as demais se encontram no Norte de Santa Catarina, em Porto Alegre (RS) e em São Caetano do Sul (SP). A maior concentração de ucranianos encontra-se em Curitiba, com aproximadamente 3% da população local, mas, em termos proporcionais, Prudentópolis (Centro-Sul) possui 75% de sua população local com ascendência ucraniana.

'A HISTÓRIA SE REPETE'

A psicóloga Ludmila Kloczak, descendente de ucranianos que reside em Londrina, afirmou que todos da comunidade estão muito tensos. “E com aquele sentimento de que a história se repete, de que pelo menos a cada 30 anos a Rússia se organiza para novamente controlar a Ucrânia e impedir a sua soberania”, destacou ela, que é docente aposentada da UEL (Universidade Estadual de Londrina).

“Esse sentimento de preocupação com os familiares que estão lá é geral. Eu tenho familiares por lá, inclusive estão na região próxima a Donetsk, e não estamos conseguindo contato com eles. Nosso coração fica apertado", relata a psicóloga. "Eles estão sendo controlados e dominados. O aparelhamento que a Rússia usa hoje é o mesmo que usava na União Soviética, que era de controle da mente, do idioma. O uso do idioma ucraniano está livre hoje, mas houve uma época em que o ucraniano era considerado um idioma como se fosse de uma estrangeira, ou um dialeto, já que o idioma oficial era o russo.”

“Tenho familiares por lá e nosso coração fica apertado", lamenta a psicóloga Ludmila Kloczak, de Londrina
“Tenho familiares por lá e nosso coração fica apertado", lamenta a psicóloga Ludmila Kloczak, de Londrina | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

“Para mim, particularmente, que tenho feito estudos, o povo ucraniano, em princípio, não é um povo belicoso. Deseja integrar a Europa Ocidental, pois possui os mesmos valores, não só estrategicamente, porque a mente é mais próxima aos valores da Europa Ocidental. Eu vejo com muito pesar esse conflito, porque para se construir uma identidade leva muito tempo.”

Passados 30 anos desde a emancipação da Ucrânia da União Soviética, ela diz que é uma geração que passou a viver em um ambiente de liberdade e de defesa de valores nacionais e internacionais democráticos. “São as primeiras experiências da democracia e ela novamente é ameaçada. Há o risco de perder todas essas conquistas, que são conquistas identitárias”, destacou.

'GUERRA VEM DE LONGE'

Segundo Vitorio Sorotiuk, presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, essa é uma guerra que vem de longe. “Os dois países possuem diferenças históricas, milenares. Desde 2014 há uma questão de conflito aberto já que naquele ano a Rússia ocupou a Crimeia e patrocina e instiga opositores em Lugansk e Donetsk, uma região onde Stálin colocou russos artificialmente. Em 1991, quando a Ucrânia saiu da União Soviética, ela saiu como terceira potência nuclear mundial e em 1994 houve um acordo internacional.”

Sorotiuk se refere ao Memorando de Budapeste, assinado em conjunto com Grã-Bretanha, Estados Unidos e Rússia. O tratado deu garantias à soberania e integridade da Ucrânia em troca do compromisso, uma vez cumprido, de desistir das armas nucleares do país.

“Em fusão da Guerra Híbrida, a Rússia intervém em eleições em outros país e seus opositores são envenenados. Então é um regime mafioso terrível e agora faz esse cerco contra a entrada da Ucrânia na Otan", diz Sorotiuk. "Aos que dizem que o Brasil não tem a ver com esse conflito, eu digo que tem e muito, já que o país tem uma comunidade de ucranianos de 600 mil pessoas por aqui. E claro que essa guerra afeta o Brasil. Ela tem efeitos econômicos no preço do petróleo. "

ZAGUEIRO ATUOU NA UCRÂNIA

O zagueiro Dirceu Wiggers, que atuou pelo Londrina e hoje está no São Joseense, passou pelo futebol ucraniano. De acordo com o jogador, a Ucrânia é uma país politicamente muito ligado à Rússia, mesmo com suas diferenças. Enquanto esteve no país foi justamente quando houve o conflito relacionado à Crimeia, em 2014.

“Teve uma ‘guerra política’ instalada e o pessoal foi às ruas, tudo muito organizado, contra o governo, e as coisas ficaram feias. Enquanto estive por lá via uma tensão no pessoal, principalmente pelo clube em que eu estava ser ligado ao governo. Então a situação iria refletir diretamente no dia a dia do pessoal. Hoje não consigo afirmar como estão as coisas pela distância que criamos, afinal não tenho contato com o pessoal”, destacou. “Mas fico triste pois esse cenário que se encontra lá não é benéfico, penso que existem outras maneiras para que possam chegar a um ambiente favorável a todos sem que haja essa tensão toda”, afirmou.

* Foto: AFP PHOTO / Ukrainian Armed Forces

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