WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Andrew Cuomo estava a caminho do aeroporto quando viu uma van tombada na rodovia. Pediu ao motorista que parasse, desceu do carro, subiu em um muro de concreto e ajudou o homem que estava dentro do veículo a sair.

A polícia ainda não havia chegado. De terno e gravata, o governador de Nova York fez o resgate com o auxílio de seus seguranças e, em seguida, consolou uma mulher que parecia assustada.

Era início de janeiro e, em poucos minutos, o vídeo gravado pela equipe de seu gabinete explodia na internet e chegava aos principais canais de TV dos EUA.

Aos 62 anos, nove deles como governador de um dos mais importantes estados americanos, Cuomo sabe manejar sua imagem para passar a ideia de que é um realizador.

Desde o meio de março, quando os casos confirmados do novo coronavírus começaram a crescer nos EUA, o democrata ganhou projeção com seu discurso técnico e transparente e virou o rosto do combate à crise - enquanto Nova York se tornava o estado mais atingido pela pandemia.

Sua postura franca, que desdobra números alarmantes de forma realista, contrastava com o comportamento de Donald Trump que, até terça-feira (31), minimizava o vírus e pregava a tese de que o país precisava ser reaberto até a Páscoa, em 12 de abril.

Atropelado pelas estatísticas, o presidente americano mudou o tom e passou a defender as medidas de distanciamento social até pelo menos o fim do mês.

Os EUA já ultrapassaram a marca de 230 mil casos confirmados, com mais de 5.700 mortes.

Liderado por Cuomo, o estado de Nova York registra 40% dos registros, com 92,3 mil diagnósticos e 2.400 mortes, mas o pior está por vir, como explicou o governador.

"Todo mundo quer saber quando isso vai terminar. A verdade é: não sabemos. Ninguém sabe. Ainda estamos subindo a montanha e não temos certeza de quando chegaremos ao outro lado", disse em 31 de março.

A retórica de que vai ficar muito ruim antes de começar a ficar bom é o que tem marcado as entrevistas coletivas diárias de Cuomo - sempre transmitidas pela TV -, numa narrativa que garantiu aumento de quase 30 pontos em sua popularidade.

Segundo pesquisa do instituto Siena College, sua aprovação subiu de 44%, em fevereiro, para 71% em março.

Mas nem sempre foi assim. Críticos afirmam que Cuomo demorou para agir e tem ganhado destaque porque é midiático e comanda um dos mais relevantes estados do país.

Nova York teve seu primeiro caso confirmado de coronavírus em 1° de março. Cinco dias depois, com 33 diagnósticos positivos no estado, o governador escreveu em suas redes sociais que havia mais pessoas no hospital por causa de gripe comum do que pelo novo vírus.

"É importante estar informado sobre o coronavírus, mas também é importante estar fundamentado. Ouça os fatos e não o alarde."

Foi em 12 de março, somente um dia antes de Trump declarar emergência nacional, que Cuomo adotou as primeiras medidas de restrição em Nova York, proibindo grandes eventos e, gradualmente, fechando escolas, bares e restaurantes e pedindo que a população ficasse em casa.

Assim como no resto dos EUA, os números saltaram em Nova York conforme testes começaram a acontecer em maior escala, congestionando hospitais e escancarando a falta de leitos e recursos médicos no estado.

A escassez de respiradores, por exemplo, foi o principal motivo do duelo entre Cuomo e Trump nas últimas semanas. O governador pressionou o presidente a obrigar empresas a produzirem os respiradores, o que o republicano acabou fazendo dias depois.

A relação entre os dois líderes, porém, era boa até aqui. Antes de ocupar a Casa Branca, Trump doou para a campanha ao governo de Cuomo e, anos antes, enviou um vídeo para a despedida de solteiro do democrata.

"Não importa o que você faça, Andrew. Nunca, nunca traia por aí", dizia Trump na gravação.

Parecia um prenúncio. O destaque que ganhou na condução da pandemia fez com que crescessem especulações de que Cuomo poderia ser o candidato democrata a disputar com Trump a eleição marcada para 3 de novembro.

O ex-vice-presidente Joe Biden e o senador Bernie Sanders, que continuam na corrida pela vaga de candidato da oposição, não têm se destacado na crise, concedendo poucas entrevistas depois de terem sido obrigados a cancelar seus eventos de campanha.

Cuomo nega qualquer rumor sobre candidatura neste ano. "Não estou concorrendo à Presidência, nunca fui candidato à Presidência. Desde o primeiro dia, disse que não estava concorrendo. Não estou fazendo política", disse no início da semana.

A mesma resposta já foi dada em entrevista a seu irmão mais novo, Chris Cuomo, que apresenta um programa na CNN e recentemente se tornou mais um caso confirmado de coronavírus em Nova York.

Formado em direito pela Universidade de Fordham, Andrew Cuomo escolheu a vida pública na década de 1990, quando foi secretário de desenvolvimento urbano e habitacional de Bill Clinton, de 1997 a 2001.

Seu primeiro cargo eletivo, porém, foi como procurador de Nova York, de 2007 a 2010, mesmo ano em que foi nomeado candidato democrata ao governo do estado - e, depois, eleito com 62% dos votos.

Em 2014, foi reeleito com 54% e, mais uma vez, em 2018, com 59%.

O gosto pela política veio com o pai, Mario Cuomo, também governador de Nova York, de 1983 a 1995.

Andrew participou ativamente da campanha de Mario, que morreu em janeiro de 2015, horas depois da posse do terceiro mandato do primogênito.

Analistas afirmam que o atual governador se diferencia do pai, um liberal keynesiano, porque defende uma visão contundente do neoliberalismo, apoiando cortes em áreas sociais que aprofundam desigualdades que tanto caracterizam a sociedade americana.

Essa linha de governo - somada à sua proximidade com republicanos e com a ala moderada do Partido Democrata - desperta críticas dos progressistas.

Eles dizem que Cuomo favorece empresários e ricos enquanto apoia cortes em áreas sociais, sob justificativa de austeridade e ajuste fiscal.

Um dos alvos do governador é o Medicaid, sistema público de saúde voltado aos americanos mais pobres.

Há duas semanas, quando Nova York já era o epicentro da pandemia nos EUA, a equipe de Cuomo anunciou proposta para cortar US$ 2,5 bilhões (R$ 13 bi) do orçamento do Medicaid no estado, incluindo US$ 400 milhões (R$ 2,1 bi) que seriam direcionados a hospitais no ano que vem.

Na sua cruzada contra o novo coronavírus, o governador tem enfrentado a sobrecarga justamente no sistema de saúde e pediu que hospitais organizem uma rede para compartilhar informações, equipamentos e funcionários, otimizando recursos e aliviando unidades saturadas.

Crises profundas costumam revelar ou moldar homens públicos. Especialistas avaliam que Cuomo tem a oportunidade de usar sua capacidade de político realizador para se tornar a liderança de que os democratas precisam e, assim, pavimentar seu caminho para a disputa pela Casa Branca em 2024.