Cardeais devem decidir data do conclave nesta segunda
Os debates e votações na Capela Sistina só começarão após o novendiale, os nove dias de luto e missas em homenagem ao pontífice argentino
PUBLICAÇÃO
domingo, 27 de abril de 2025
Os debates e votações na Capela Sistina só começarão após o novendiale, os nove dias de luto e missas em homenagem ao pontífice argentino
José Henrique Mariante - Folhapress

Roma -"Só não pode ser africano", diz o motorista de táxi, que especula com o repórter quem será o próximo papa durante uma corrida para o Vaticano. A observação é confessadamente utilitária: um papa africano trará menos turistas a Roma. "Na época do alemão, foi uma maravilha", afirma, em referência ao papado de Josef Ratzinger (2005 a 2013).
Parece detalhe ao motorista que a Alemanha já entra no terceiro ano de recessão e que o racismo permeia a política europeia em um de seus maiores debates, a imigração, mas a chance de um papa africano é uma das tantas especulações a circular nesta semana prévia ao conclave que escolherá o sucessor de Francisco.
Os debates e votações na Capela Sistina só começarão após o novendiale, os nove dias de luto e missas em homenagem ao pontífice argentino, que começaram a contar no sábado (26), quando se concluiu seu funeral.
O rito empurra o início do processo para no mínimo o dia 5 de maio. Nesta segunda (28), a quinta congregação geral, a série de reuniões prévias que cardeais estão fazendo desde a semana passada, deve definir a data do conclave. Também pode entrar em discussão o caso do cardeal italiano Angelo Becciu, ex-assessor de Francisco condenado por fraude em uma transação imobiliária com fundos que deveriam ser usados para assistência social.
Becciu renunciou ao cargo em 2020, mas declarou à imprensa italiana que tinha direito de participar das votações. Até aqui, são 135 religiosos aptos a votar, os cardeais que têm menos de 80 anos, sendo um deles anunciou ausência por motivos de saúde.
Fridolin Ambongo, 65, arcebispo de Kinshasa, habita a lista de favoritos também por ser uma aposta conservadora, perfil que prevalece na liderança católica do continente que mais tem seminaristas no planeta. Ambongo, da República Democrática do Congo, se opôs a Francisco em 2023 quando o papa permitiu a bênção a casais homossexuais.
Algo parecido ocorre com o prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Robert Sarah, 79, da Guiné, com mais atritos no currículo.
FALTA DE PROXIMIDADE
Reinhard Marx, 71, arcebispo de Munique e Freising, um dos três alemães no conclave e que aparece em algumas listas de apostas europeias, declarou no fim de semana que espera uma votação rápida. "Não durará muito. Esta semana será útil para nos conhecermos e chegarmos a um acordo."
A falta de proximidade é um dos fatores que pesam nas previsões. Francisco nomeou cerca de 80% do atual Colégio Cardinalício, aumentando a representação de América Latina, Ásia e África, regiões para onde a Igreja caminha e cresce --segundo os números mais recentes do Vaticano, há 1,4 bilhão de católicos no planeta, incremento de 1,15% entre 2022 e 2023.
O primeiro papa sul-americano também sublinhou a nova geografia da religião, com uma intensa programação de viagens para locais que há alguns anos seriam considerados muito exóticos, como Mongólia, Papua Nova Guiné, Iraque e Sudão do Sul.
A percepção pastoral de Francisco de ir atrás do rebanho, cada vez mais escasso na Europa, cria um desafio suplementar para o conclave. Durante as congregações, os novatos não estarão apenas conhecendo seus pares, como também trazendo questões de suas arquidioceses, provavelmente estranhas a ouvidos das regiões mais tradicionais da Igreja. O que vai sair dessa mistura de expectativas, segundo especialistas, ainda está no campo do imponderável, a despeito das casas de apostas e especulações.
'NÃO HÁ DISPUTA ENTRE NÓS'
Provavelmente era o objetivo de Francisco, preocupado em deixar o Vaticano mais perto de quem o apoia, populações mais pobres e vulneráveis de vários cantos do planeta.
"Peço que vocês rezem por nós, cardeais, neste momento importante da vida e da história da Igreja", afirmou o cardeal Augusto Paolo Lojudice, arcebispo de Siena, durante uma missa para 400 jovens neste domingo (27). Roma recebe dezenas de milhares de adolescentes para o Jubileu, o maior evento do calendário católico, que ocorre a cada 25 anos. "O Jubileu Adolescente obviamente deveria ser diferente, mas vocês tiveram a oportunidade de vivenciar um momento particularmente importante", disse o cardeal na homilia.
"Não há disputa neste momento entre nós, porque todos sabemos que ser papa é uma coisa difícil. Quem for chamado a desempenhar esse papel precisará ouvir o Espírito", declarou Lojudice, lembrando que, assim como outros cardeais, visitaria o túmulo do pontífice na basílica de Santa Maria Maior horas depois.
"O povo de Deus, de Roma e do mundo inteiro, encontrará o seu pastor." Francisco, durante seu papado, fez questão de sublinhar a parte que fala sobre o mundo inteiro.

FILAS
Uma fila que serpenteava os arredores da Basílica Santa Maria Maior reuniu milhares de pessoas neste domingo (27) em Roma para o primeiro dia de visitações à tumba do papa Francisco. O pontífice argentino, sepultado na véspera em uma das capelas do interior da igreja localizada no centro da capital italiana, atraiu sobretudo jovens.
Muitos estão na cidade para o Jubileu, o maior evento do calendário católico, que ocorre a cada 25 anos e ganhou ainda mais significado ao coincidir com o funeral do pontífice. Mais de 80 mil adolescentes se inscreveram para a celebração, que culminaria com a canonização do beato Carlo Acutis, morto aos 15 anos. A confirmação do primeiro santo millennial, porém, acabou adiada.
No começo da tarde italiana, chegava a 30 mil o número de visitantes do túmulo de Francisco, segundo a prefeitura de Roma. A multidão não arrefeceu nem com a chuva leve que caiu em Roma, e a visitação foi estendida até as 22h (17h de Brasília). De acordo com o Vaticano, a Santa Maria Maior abrirá todos os dias e abrigará missas regulares.
A inédita visita a Francisco concorria pela manhã com a grande celebração do dia na Praça São Pedro, a segunda missa do novendiali, os nove dias de luta pelo papa. "O Papa Francisco foi uma testemunha brilhante de uma Igreja que se inclina com ternura para com aqueles que estão feridos e os cura com o bálsamo da misericórdia", disse na homilia do Vaticano o cardeal Pietro Parolin.
"Ele nos lembrou que não pode haver paz sem reconhecer o outro, sem prestar atenção aos mais fracos e, acima de tudo, nunca poderá haver paz se não aprendermos a perdoar uns aos outros, usando entre nós a mesma misericórdia que Deus tem para com as nossas vidas."
EM SINTONIA COM OS TEMPOS
À tarde, Parolin e mais de 110 cardeais visitaram a tumba na Santa Maria Maior e rezaram por Francisco e pela escolha que terão que fazer a partir da próxima semana. O período do novendiali precisa acabar para permitir o início do conclave, o processo de escolha do próximo papa.
"Não podemos escolher", disse Alessandro Grasso, operário de Napoli, na saída de sua visita. "Eles vão escolher", completou, frisando a responsabilidade do Colégio Cardinalício. "O Senhor o escolherá, eu sei", disse a seu lado a amiga Noemi Curcio. "Mas esperamos um papa que esteja em sintonia com os tempos e que consiga falar melhor com os jovens. São muitas as portas que ele deixou abertas, então esperamos poder continuar a segui-las."
O alemão Dominic Kuhl, desenvolvedor de software que mora em Viena, também aguarda um pontífice preocupado com as gerações mais novas. "Tenho 26 anos e só posso falar do que acontece na Europa, mas há muitos como eu atraídos pela liturgia da Igreja Católica, de uma igreja mundial, apegada a seus rituais", declarou, logo após deixar a basílica.
A descrição pode soar um pouco conservadora, mas Dominic refutou o rótulo usando o exemplo do próprio Francisco. "As pessoas eram sua primeira preocupação, de uma maneira pastoral. É diferente de dizer faça o que você quiser. Porque Jesus disse: faça o que é a vontade de Deus. O papa pensava assim, então não acho que ele era muito liberal, embora fosse visto como controverso."
Dominic chegou cedo e ficou 20 minutos na fila. Ela já durava mais de hora no momento em que saiu, com a estimativa policial anterior de centenas saltando para milhares. A espera passava de duas horas na metade da tarde. "É um túmulo pequeno, com uma pedra branca e seu nome inscrito nela. É muito simples", descreveu.
FOTOS NÃO SÃO PERMITIDAS
Francisco determinou em testamento que queria ser enterrado em Santa Maria Maior, sua igreja preferida em Roma. A lápide, em mármore da Ligúria, terra de seus avós, leva apenas seu nome em latim, Franciscus, e está instalada na capela Paulina. Na parede, há uma reprodução de seu crucifixo.
Noemi contou que policiais não deixavam a fila parar na frente da tumba e fotos não eram permitidas. Alessandro fez registros de outros ambientes da igreja, mas guardou o celular na hora de passar pelo túmulo. "Às vezes é melhor não tirar fotos. Apenas olhar e lembrar-se do que viu. Basta fechar os olhos e lembrar."
É a primeira vez em 122 anos que um papa é enterrado fora do Vaticano. "É uma experiência que não se

