Milão, Itália - Os candidatos à sucessão do primeiro-ministro Boris Johnson no Reino Unido, Rishi Sunak e Liz Truss, se veem bastante afinados em ao menos um tema polêmico: a política mais linha dura contra a imigração irregular, já largamente ensaiada na gestão demissionária.

Os conservadores Liz Truss e Rishi Sunak têm propostas similares para combater a chegada ilegal de imigrantes
Os conservadores Liz Truss e Rishi Sunak têm propostas similares para combater a chegada ilegal de imigrantes | Foto: Jacob King/POOL/AFP/25-7-2022

Ambos do Partido Conservador, o ex-secretário de Finanças e a atual secretária de Relações Exteriores travam uma espécie de competição envolvendo a questão. Entre promessas para conter o desembarque de imigrantes irregulares na costa marítima, eles se comprometeram em manter o envio de deportados para Ruanda, país na África central.

A medida foi anunciada em abril pelo governo britânico, que a bancou mesmo após críticas virem prontamente de entidades de direitos humanos. O primeiro voo do projeto, porém, foi impedido de decolar em junho, na última hora, depois de uma batalha judicial que incluiu liminares a uma série de migrantes.

O tema voltou a ganhar relevância no Reino Unido porque entre 2019 e 2021 o número de imigrantes irregulares que chegaram em pequenas embarcações subiu mais de 15 vezes, passando de 1.843 para 28,5 mil em 12 meses.

De acordo com as estatísticas do Ministério do Interior, neste ano, entre janeiro e março, 4.540 pessoas já desembarcaram no país, taxa três vezes maior do que no mesmo trimestre do ano anterior.

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Como o pico costuma ser registrado no verão do hemisfério Norte, o total anual pode ser superado. Só entre 11 e 17 de julho, por exemplo, cerca de 1.400 migrantes cruzaram o Canal da Mancha, atravessando pela França e vindos principalmente de Irã e Iraque.

"As pessoas estão cansadas de ver barcos pequenos chegarem a este país e as autoridades parecendo impotentes em barrá-las", disse Sunak, ao anunciar um programa para enfrentar a situação, no qual promete implementar a chamada parceria com Ruanda. "Não tem nada de racista em querer ter fronteiras seguras que funcionem." O candidato é neto de imigrantes indianos.

Truss revelou suas principais medidas no mesmo dia. Entre elas estão a ampliação da política de deportação para outros países, o aumento de 20% nas forças de segurança que vigiam as fronteiras e a intenção de "não se acovardar" frente à ação da Corte Europeia de Direitos Humanos.

"A política [de deportação] para Ruanda é correta. Estou determinada em promover sua implementação completa e também a buscar outros países para parcerias semelhantes", disse. No passado, Gana e Albânia rejeitaram propostas britânicas semelhantes.

O programa de Boris Johnson é cercado de evidentes controvérsias. O governo britânico já pagou 120 milhões de libras para que o país africano receba imigrantes em busca de refúgio - embora nenhum tenha sido enviado até agora.

Nova decisão judicial sobre a legalidade da medida é esperada para o início de setembro, mesmo período em que o nome do próximo primeiro-ministro deve ser anunciado.

Também há dúvidas em relação à capacidade para o acolhimento de deportados do Reino Unido, depois de as autoridades de Kigali terem admitido que somente 200 vagas estariam disponíveis.

"Sunak e Truss têm muitas diferenças, mas os dois apostam nessa política controversa, mostrando-se ainda mais determinados [do que Boris] em fazê-la funcionar", afirma Peter Walsh, pesquisador do Observatório de Migração da Universidade de Oxford. "Os dois tentam parecer duros com a imigração."

A disputa entre quem tem as promessas mais rigorosas na área busca convencer os membros do Partido Conservador - que decidirão em votação interna quem será o próximo (ou próxima) chefe de governo - sobre quem é mais fiel a um dos objetivos principais do brexit, o de "retomar o controle das fronteiras".

Os anúncios das duas campanhas foram criticados por entidades que atuam com imigrantes no Reino Unido. A Anistia Internacional acusou os candidatos de fazer promessas eleitoreiras, enquanto deixam de lado problemas reais, como o colapso do sistema de pedido de refúgios.

Cerca de 110 mil estrangeiros esperam atualmente, dentro do país, por uma resposta ao pedido de proteção, que, em média, tem demorado mais de um ano. "É um processo lento, e nenhuma das políticas mencionadas pelos candidatos incluem medidas para torná-lo mais ágil", afirma Walsh.

Para o pesquisador, além das polêmicas que cercam o programa de deportação, não há evidências sólidas que permitam concluir que a política de Ruanda tenha o efeito de dissuadir imigrantes de tentarem entrar de forma irregular no país. "A possibilidade de ser barrado e ir para a Ruanda pode ser vista como mais um risco, além de todos os outros, que essas pessoas aceitam correr quando sobem num barco."

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