São Paulo - Em demonstração de apoio explícito à Ucrânia e de desafio direto a Vladimir Putin, o presidente americano, Joe Biden, fez nesta segunda (20) uma viagem surpresa a Kiev às portas do aniversário do primeiro ano da invasão russa do vizinho.

Biden chegou à capital ucraniana no começo da manhã, após o que pode ter sido uma hora de viagem de trem desde a fronteira da Polônia, país que visitará oficialmente por dois dias a partir da terça (21), quando o presidente russo fará um discurso sobre a guerra na Assembleia Federal, o Congresso em Moscou.

O americano encontrou-se com o presidente Volodimir Zelenski, na visita de mais alto calibre diplomático até aqui no conflito, que completa um ano na sexta (24). Antes, líderes como o premiê britânico, Rishi Sunak, e a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, estiveram em Kiev.

Em discurso, Biden disse que "a guerra brutal e injusta está longe de ser ganha" e que haverá "dias, semanas e anos muito difíceis à frente". Mas Putin está falhando, afirmou. "Um ano depois, a evidência está aqui nesta sala. Nós estamos juntos. A liberdade não tem preço, vale lutar por ela pelo tempo que for preciso."

Por óbvio, houve grande segredo em torno da visita do democrata, que caminhou pelas ruas com Zelenski. No início da passagem, alarmes antiaéreos soaram pelo país, mas não houve registro de ataques.

Sem dar detalhes, Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional dos EUA, afirmou que a Rússia foi notificada da visita. Seja como for, a viagem foi "sem precedentes nos tempos modernos", já que nunca antes um presidente americano havia visitado "a capital de um país em guerra onde as Forças Armadas americanas não controlam a infraestrutura crítica".

Isso diferencia a passagem por Kiev, que durou cerca de cinco horas, de visitas anteriores de mandatários americanos ao Afeganistão e ao Iraque sob ocupação, por exemplo. Sullivan não pormenorizou como Biden chegou e saiu do país, apesar do relato de que ele pegou o trem de Rezszow, na Polônia, onde havia pousado em um avião secundário da Presidência americana, um Boeing-757 modificado, e não o usual e chamativo Boeing-747 Air Force One.

"Quando Putin lançou sua invasão, há quase um ano, ele pensou que a Ucrânia era fraca, e o Ocidente, dividido. Ele pensou que poderia nos superar. Mas ele estava errado", afirmou o presidente americano. "A Ucrânia agradece", disse Zelenski, que chamou a visita de a "mais importante da história das relações EUA-Ucrânia" e avaliou que ela "se refletirá no campo de batalha", referência aos novos envios de armas.

A viagem do presidente americano Joe Biden ocorre em um momento de inflexão na guerra, com aumento expressivo da pressão russa no leste e no sul do país, áreas que Vladimir Putin declarou serem da Rússia em setembro. Kiev, por sua vez, apela cada vez mais pelo envio de armas mais sofisticadas e potentes, particularmente caças.

Há expectativa em torno de Biden, para saber se ele mudará de ideia e liberará o fornecimento desses aviões, o que será lido como provocação ofensiva pelos russos. Nesta segunda, o americano anunciou um novo pacote de armas, todas já conhecidas, como mísseis e artilharia, no valor de US$ 500 milhões.

Até aqui, americanos e ocidentais em geral têm escalado sua ajuda militar a Kiev de forma pausada, passo a passo, e a promessa de tanques de guerra modernos, que ainda não chegaram, é o estágio atual.

No fim de semana, o chefe da diplomacia europeia, o catalão Josep Borrell, disse que a guerra estaria "acabada" se a Europa não ampliasse a produção e o fornecimento de munições à Ucrânia, que tem gasto todo seu estoque e também o de países da Otan, a aliança militar de 30 países liderada por Washington.

Borrell propôs, na Conferência de Segurança de Munique, evento anual que reúne líderes na cidade alemã desde 1963, que o Ocidente adotasse um sistema colaborativo de distribuição de armas de seus arsenais semelhantes aos esforços para entregar vacinas contra a Covid no auge da pandemia.

A visita de Biden também coincide com a maior inserção da rivalidade estratégica central do mundo, entre EUA e China, no contexto da guerra europeia. Na conferência, sem provas, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse que Pequim está próxima de fornecer armas para Moscou.

Xi Jinping e Putin são aliados próximos, e a China aumentou em quase 50% suas importações da Rússia em 2022, ajudando a manter a economia do vizinho viva apesar das sanções. Mas, de forma ambígua, os chineses falam desejar mediar a paz, mas não condenam os russos - apenas as punições ocidentais.

Ao jornal alemão “Die Welt”, em entrevista publicada nesta segunda, Zelenski disse esperar "uma avaliação pragmática" de Pequim. "Porque se a China se aliar à Rússia, haverá guerra mundial, e a China sabe disso."