Há 200 anos foi inventada a pilha, cuja descoberta resultou de experiências com a eletricidade feitas por Alessandro Volta
ReproduçãoReprodução/ Ciência HojePintura de autor desconhecido mostra Luigi Galvani expondo a seus discípulos o efeito da eletricidade sobre os músculos de uma rãQuando acendemos uma lanterna, conferimos a hora no relógio ou escutamos um programa de rádio não passa por nossas cabeças que essas atividades só são possíveis hoje graças a uma das maiores invenções do século 18. A pilha que torna o nosso dia-a-dia cada vez mais simples resultou de experiências sobre eletricidade conduzidas, no fim de 1799, pelo físico italiano Alessandro Volta (1745–1827), professor da Universidade de Pávia. Em carta datada de 20 de março de 1800, Volta relatava à Royal Society (Grã Bretanha) a construção de um aparelho formado por uma pilha de discos, de dimensão de moedas e de diferentes metais, com o qual conseguira obter faíscas e choques elétricos.
Embora os fenômenos elétricos fossem conhecidos desde a Antiguidade – Tales de Mileto relatara no século 6 a.C. a atração dos cabelos humanos por um bastão de âmbar depois de atritado –, foi no começo do século 18 que as pesquisas sobre eletricidade se difundiam entre os físicos, iniciando-se um período ativo de experimentações e proposição de teorias. Destaca-se entre os personagens mais envolvidos com esse estudo o químico francês Charles François de Cisternay Du Fay (1698–1739), para quem a eletricidade era ‘‘uma propriedade que consistia em atrair corpos leves’’. Baseando-se em experiências com várias substâncias, ele foi o primeiro a dividir os corpos em dois grandes grupos – os ‘‘vítreos’’ e os ‘‘resinosos’’ – segundo seu comportamento elétrico.
A existência de dois ‘‘tipos’’ de eletricidade foi também comprovada de forma independente pelo cientista norte-americano Benjamim Franklin (1706-1790), que desconhecia os trabalhos desenvolvidos na Europa. Foi Franklin que introduziu o termo ‘‘carga elétrica’’ para designar as duas ‘‘formas’’ de eletricidade e lhes atribuiu os sinais positivo e negativo. Ao observar que corpos pontiagudos eram capazes de transmitir eletricidade a outros corpos, ele também acabou inventando o pára-raios.
Em meados do século 18, já existiam máquinas elétricas, baseadas na geração de eletricidade por atrito, que eram as grandes atrações nas academias, onde físicos profissionais e amadores realizavam experiências. O físico holandês Pieter van Musschenbroek (1692–1761), da Universidade de Leyden, desenvolveu um aparelho em 1746 que ficaria conhecido como garrafa de Leyden. Ele usou uma garrafa de vidro com água, tampada com uma rolha atravessada por um prego, e apoiou o prego no pólo de sua máquina elétrica. Em seguida, aproximou o prego de um objeto qualquer, provocando uma forte faísca. A partir de então, o aparelho passaria a ser um importante instrumento de pesquisa elétricas.
Uma nova conceituação da eletricidade esboçava-se no fim do século 18 apoiada, por um lado, nos princípios de Franklin e, por outro, nas medidas do químico inglês Henry Cavendish (1731-1810) e do físico francês Charles-Augustin de Coulomb (1736-1896). Cavendish havia demonstrado que um corpo era capaz de armazenar eletricidade, além de provar que era possível medir sua carga. Já Coulomb definira a lei segundo a qual dois corpos com cargas elétricas de sinal oposto se atraem na razão direta do produto de suas cargas e na razão inversa do quadrado da distância que os separa.
Nessa época também surgia a idéia de que, além da eletricidade observava nas máquinas e na garrafa de Leyden, existiria também a eletricidade animal, encontrada apenas nos seres vivos. Entre os interessados na eletricidade animal, destacava-se o fisiologista italiano Luigi Galvani (1737–1798). A ele atribui-se a descoberta, em torno de 1780, de que um choque elétrico aplicado à perna de uma rã, recém-separada de seu corpo, provoca movimentos violentos (figura 1). Alguns historiadores dizem que foi, na verdade, um dos alunos de Galvani que observou esse efeito. O professor tinha reconhecida fama de avarento e costumava reaproveitar instrumentos estragados, podendo ser encontradas em seu laboratório pinças com haste de metais diferentes. Foi ao encostar uma dessas pinças na rã dissecada que o aluno de Galvani teria observado as contrações musculares.
O fisiologista italiano atribuiu esse efeito a uma ‘‘eletricidade animal’’ que se descarregaria sobre os músculos quando estimulada por outras descargas elétricas. Sua hipótese era a de que, na rã, o músculo e seu nervo seriam equivalentes às duas superfícies condutoras (chamadas de armaduras, na gíria de laboratório) que constituem um condensador elétrico, como a garrafa de Leyden. Do mesmo modo que salta uma faísca elétrica quando as armaduras são postas em contato, haveria também descarga quando se põem o músculo e o nervo em contato através de um fio metálico.
Os experimentos de Galvani despertam o interesse de Alessandro Volta no início da década de 1790. A partir do conhecimento acumulado em seus próprios estudos (ver ‘‘Vocação para a pesquisa’’), Volta sugeriu que as contrações observadas por Galvani seriam causadas por uma eletricidade ‘‘artificial’’. Segundo ele, o choque elétrico na pata da r㠖 assim como o provocado ao encostar a pinça na nossa língua – resultava da diversidade dos metais da pinça.
Para demonstrar sua teoria, Volta teve a idéias de amplificar o efeito elétrico colocando vários pares de metais diferentes em contato sucessivo (associação em série, no jargão dos especialistas), através de um terceiro condutor – um papel ou tecido embebido em salmoura. Para isso, construiu um aparelho que repetia, sistemática e alternadamente, discos de prata, zinco e papel ou tecido umedecido com água e sal. Cerca de 30 desses conjuntos de três discos foram mantidos empilhados, apoiados em um suporte de hastes verticais de madeira (figura 2). Quando aproximava as extremidades de dois fios de cobre, um previamente ligado à base e outro ao topo da pilha, saltava uma faísca elétrica. A descarga do artefato também causava a contração muscular da perna de rã. Por isso, Volta chamou seu aparelho de ‘‘Órgão elétrico artificial’’.
Havia na época um grande interesse em torno da eletricidade no mundo inteiro, que abrangia também as possíveis aplicações práticas. Assim, Volta foi convidado em 1801 por Napoleão Bonaparte, então cônsul da França, para que apresentasse os efeitos elétricos de sua pilha (figura 3). Foi nessa oportunidade, no Instituto Nacional da França, que o físico italiano recebeu uma medalha de ouro de Napoleão, escrevendo em seguida para seus familiares: ‘‘À vida acomodada de uma glória vã prefiro a tranquilidade e doçura da vida doméstica’’. Sua frase revela o caráter introvertido e tranquilo do físico italiano, que soube equilibrar sua vida familiar com sua atividade profissional.
José Atílio Vanin é docente do Instituto de Química, Universidade de São Paulo