O Facebook anunciou nesta terça-feira (17), a criação de uma moeda digital própria. Chamada de libra (sem nenhuma ligação com a moeda britânica), ela chegará ao mercado em 2020, permitindo transações dentro das plataformas da empresa, como WhatsApp e Facebook Messenger. A iniciativa é parte de um projeto ambicioso da rede social, que pode romper fronteiras monetárias, promover inclusão financeira e, de quebra, transformar a companhia de Mark Zuckerberg em uma fintech (startup de serviços financeiros).

Com libra, companhia de Mark Zuckerberg se transforma também em uma fintech
Com libra, companhia de Mark Zuckerberg se transforma também em uma fintech | Foto: Bertrand Guay/AFP

Para garantir a implementação do projeto, o Facebook criou a Libra Association, fundação responsável por administrar o tesouro da moeda, criar suas especificações técnicas e promover a iniciativa. A associação será autônoma e terá sede em Genebra, na Suíça. Além do Facebook, haverá ainda outros 27 membros fundadores - todos terão os mesmos poderes da rede social.

Entre eles, estão nomes tradicionais do mercado financeiro (Visa, Mastercard e PayPal), empresas de tecnologia (Uber, Lyft, Spotify e eBay) e fundos do Vale do Silício (Ribbit Capital e Thrive Capital). Cada um deles teve de colaborar com uma cota mínima de US$ 10 milhões para desenvolver a tecnologia e compor as reservas da moeda, que viabilizam a operação da libra e evitam volatilidade em sua cotação.

Até sua estreia, a meta da associação é atingir a marca de 100 membros, levando as reservas para a casa de US$ 1 bilhão, disse ao Estado David Marcus, líder da área de blockchain do Facebook e um dos principais líderes do projeto. "Queremos uma moeda global e uma estrutura financeira que permita a milhões de pessoas ter acesso à economia do mundo", afirmou Marcus, que já foi presidente do PayPal e supervisionou o Facebook Messenger.

A iniciativa pretende fazer com que mais de um bilhão de pessoas de todo o mundo que não têm acesso a bancos possam contar com serviços comerciais e financeiros online, afirmou Dante Disparte, diretor de política e comunicação da Libra Association. Para as pessoas que não têm acesso aos bancos, a moeda local poderá ser convertida em libra nas casas de câmbio ou empresas que oferecem o serviço. E a onipresença dos celulares abre a possibilidade de levar serviços bancários, cartões de crédito e comércio online a regiões em que tais serviços não existem.

Essa é a primeira vez que uma moeda digital é associada a um ecossistema tão grande de empresas do setor financeiro, avalia Arthur Igreja, professor da FGV e especialista em Tecnologia e Inovação. Para ele, a libra irá mudar o sistema bancário, pois, com ela, os usuários do Facebook poderão fazer transações entre si por meio das plataformas da empresa, já amplamente utilizadas por quase 3 bilhões de pessoas em todo o mundo. “Parte do lucro dos bancos vem de operações que só eles fazem. Agora as pessoas farão pagamentos diretamente para outras pessoas. Muitas das transações vão deixar de ser feitas por bancos.”

A libra é considerada pelo professor uma moeda genuinamente global, capaz de trafegar por todo o mundo, independentemente da moeda oficial de casa País. Igreja explica que outras moedas digitais têm conversão para apenas algumas moedas, ao contrário da libra, que tem a participação de alguns dos maiores “pesos pesados” do mercado financeiro. “O Bitcoin tem uma conexão muito frágil com o mercado financeiro tradicional”, comenta o especialista. Para pagar com o Bitcoin ou converter a moeda, é preciso ter uma carteira virtual e a taxa de conversão é muito cara, compara Igreja.

Carlos Magno, coordenador do curso de Ciências Econômicas da UFPR (Universidade Federal do Paraná), avalia que a moeda deverá desafiar o sistema financeiro tradicional, aumentando a concorrência e obrigando as empresas do setor a oferecerem mais facilidades para o consumidor. (Com agências)

Moeda terá baixa volatilidade

O projeto Libra aprendeu com as lições das outras criptomoedas, como o bitcoin, e foi pensado para evitar as variações abruptas de valor que afetam as moedas virtuais e que são fonte de especulação e de ruínas. O dinheiro real utilizado para comprar a libra será a reserva e garantia do dinheiro virtual, cujo valor refletirá o de moedas estáveis como o dólar e o euro, segundo os credores. "Estará respaldada por uma reserva de ativos que assegura utilidades e baixa volatilidade", disse o vice-presidente da Calibra, carteira digital da libra, Tomer Barel.

“A grande diferença dessa para outras moedas é que a libra tem um lastro efetivo, não é especulativa”, analisa José Vignoli, educador financeiro do portal Meu Bolso Feliz. Para ele, isso proporciona uma segurança maior à moeda.

Rodrigo Batista, sócio fundador da nTokens.com e fundador do Mercado Bitcoin, explica que a libra pode ser classificada como uma stablecoin, uma moeda cujo valor fica atrelado a moedas oficiais, como o dólar ou o real. Segundo Batista, a vantagem dessas moedas é que elas não ficam suscetíveis a grandes oscilações, como é o caso do Bitcoin. “O preço de uma libra tende a não variar muito. Para uso no dia a dia, transações entre empresas e pessoas, é muito melhor.”(M.F.C. com agências)

Carteira digital se chamará Calibra

Para operar as transações da moeda, o Facebook criou uma subsidiária, a Calibra. Ela oferecerá a carteira digital pela qual será possível realizar pagamentos e enviar remessas para contatos no Messenger e no WhatsApp, além de ter aplicativos próprios para Android e iPhone. Hoje o Facebook tem 2,7 bilhões de usuários em seus diversos aplicativos.

Ainda há detalhes a ser definidos antes que libra e Calibra cheguem ao mercado. A expectativa é que o usuário crie uma conta com um documento e, a partir disso, possa comprar libras. De posse da moeda, poderá pagar por serviços de parceiros - como uma viagem de Uber - ou mandar dinheiro para contatos no WhatsApp. Quem receber o dinheiro poderá usá-lo como libra ou converter para moeda local. Ainda não se sabe qual cotação a libra terá.

O Facebook diz trabalhar diretamente com reguladores, legisladores e outras autoridades em diversos países, para evitar quaisquer problemas regulatórios. Procurado pelo Estado, o Banco Central do Brasil não quis comentar o tema.(Das agências)