O processo de urbanização brasileiro acarretou diversos problemas para as cidades, dentre eles, é possível citar a habitação da população em loteamentos irregulares e/ou clandestinos. Ocorre que, o Poder Público tem a competência de assegurar o bem-estar de seus habitantes, conforme determinado no Plano Diretor e na legislação urbanística, ao mesmo tempo em que deve promover a ocupação ordenada do solo urbano sob sua circunscrição.

Neste sentido, em recente posicionamento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o ministro Herman Benjamin (Recurso Especial n° 1.164.893- SE), proferiu decisão de que é dever-poder do Município a fiscalização e regularização de loteamentos clandestinos ou irregulares, restringindo sua atuação às obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, §5º da Lei 6.766/1979).

Tais obras estão vinculadas à infraestrutura essencial para inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, energia e iluminação pública, de modo a atender aos moradores já instalados, sem prejuízo do também dever-poder da administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer a sua atuação saneadora.

Caso o município promova a regularização dos loteamentos clandestinos ou irregulares, após esgotar todas as medidas para que o loteador regularize o loteamento, há de ser para “evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento e defesa dos direitos dos adquirentes de lotes”, sendo que tais padrões estão estabelecidos em leis municipais e no Plano Diretor.

A presente decisão estabelece que o dever-poder do munícipio, nos termos do artigo 40 da Lei nº 6.766/1979, deverá atender aos padrões urbanísticos ambientais estabelecidos nas legislações locais, estaduais e federais, orientar sua atuação visando o interesse coletivo e a observância aos padrões de desenvolvimento urbano, bem como cumprir as funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Não há autorização com esta decisão, de que o município proceda com a regularização de loteamentos clandestinos ou irregulares em áreas de risco ou que ofereçam perigo imediato para os moradores lá instalados, assim como àqueles que estejam em APP (áreas de preservação permanente ), de proteção de mananciais de abastecimento público ou mesmo fora do limite de expansão urbana fixada, nos termos dos padrões de desenvolvimento local. Se houver a necessidade de intervenção judicial para estes casos, está restrita a “exigir do Poder Público a remoção das pessoas alojadas nesses lugares insalubres, impróprios ou inóspitos, assegurando-lhes habitação digna e segura – o verdadeiro direito à cidade”.

Além disso, cabe também ao município atender as diretrizes constitucionais que estabelecem os recursos públicos previstos na legislação orçamentária municipal para as políticas urbanísticas, sendo este um fator determinante na escolha da regularização para estes tipos de loteamentos.

Por fim, verifica-se que a intenção da decisão do STJ não é beneficiar o loteador faltoso, haja vista o direito de regresso do município, tampouco impor ao município obrigação de que todo e qualquer loteamento irregular e/ou clandestino seja regularizado em detrimento de situações estruturais e essenciais para o desenvolvimento urbano local.

RENATA CALHEIROS ZARELLI, advogada e membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina.