Muito se discute sobre a possibilidade de registrar a escritura pública de compra e venda caso ocorra o falecimento do devedor antes do registro em nome do comprador.

Embora não seja uma discussão recente, não há resposta pacífica a respeito. Assim, é possível registrar escritura pública de compra e venda com vendedor falecido sem necessidade de passar por inventário?

A resposta é positiva, a depender da forma de pagamento, além de outros requisitos exigidos pela prática notarial.

O enunciado 655 do IX Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF), dispõe que "nos casos do art. 684 do Código Civil, ocorrendo a morte do mandante, o mandatário poderá assinar escrituras de transmissão ou aquisição de bens para a conclusão de negócios jurídicos que tiveram a quitação enquanto vivo o mandante" (grifos nosso).

Embora extinto o mandato pela morte do mandante (art. 682, do Código Civil), continuam eficazes as procurações públicas para finalizar "os negócios pendentes", desde que o pagamento seja pro soluto, ou seja, negócios jurídicos quitados pelo mandante ainda vivo.

A finalização de negócios pendentes é possível porque a dívida foi paga integralmente, ensejando o direito à quitação regular por escrito, ou por meio equivalente, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida, com assinatura manual ou eletrônica qualificada.

Na prática, se na escritura constar a quitação expressa do vendedor, será possível o registro no cartório de imóveis.

Por outro lado, se constar que houve pagamento parcelado, também parece possível o registro, mas com averbação dessa pendência de pagamento parcelado.

Embora com outras argumentações, há precedentes antigos do STF que permitem o registro de escritura pública de venda/compra com o alienante falecido (RE 18394, publicado em 20/09/1951; e RE 31217, publicado em 26/07/1956).

O problema reside quando não há declaração de quitação do preço, podendo ocorrer as seguintes hipóteses:

i) apresentar ao cartório de imóvel uma quitação emitida pelo inventariante nomeado, desde que pagas todas as parcelas ao credor ainda vivo, ou;

ii) se não houve pagamento de todas as parcelas ao credor ainda vivo, não cabe ao inventariante emitir quitação, salvante autorização judicial, porque o bem vendido e não registrado transfere-se ao espólio;

iii) embora recebidos os pagamentos quando ainda vivo o credor, e caso o administrador nomeado não forneça quitação ao devedor, é cabível a adjudicação compulsória.

Em conclusão, pela lógica do enunciado 655 da IX Jornada de Direito Civil, é possível o registro da escritura, para finalização dos negócios pendentes, se houve a quitação integral.

Contudo, se pagamento da referida escritura for pro solvendo, sem cláusula resolutiva expressa e nem quitação do credor ainda vivo, se verificará as seguintes situações: (i) será um encargo da herança a ser cumprido pelo inventariante, quando tiver todos os pagamentos sem quitação; (ii) não caberá quitação pelo inventariante, exceto com autorização judicial, quando não tiver todos pagamento; e (iii) será cabível a adjudicação compulsória, quando o inventariante se recusar a emitir quitação, embora todos os pagamentos recebidos pelo credor ainda vivo.

Marcela Rocha Scalassara. Advogada e membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina.