Desde 2014, após anos de expansão do setor imobiliário no país, mais conhecido como “boom” imobiliário, ocorreu um desaquecimento do setor da construção civil que afetou principalmente incorporadoras e construtoras.

Segundo dados da ABRAINC, o total de distratos chegou a 34,8 mil (o equivalente a 32,3% das vendas de imóveis novos) entre 2016 e 2017.

Foi o “boom” dos distratos.

No final de 2018, foi publicada a Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018), uma importante novidade legislativa que visou ao reaquecimento do setor, com regras específicas sobre as consequências do desfazimento de contratos celebrados para a aquisição de imóveis.

A regulamentação legal, aliada à melhora do ambiente econômico do país, trouxe maior segurança ao setor, com expressivo aumento das vendas a partir de 2019 e uma queda de 32,4% no volume de distratos em relação ao ano anterior.

E aí veio a pandemia da Covid-19 e um cenário de dúvidas e incertezas, em proporções nunca antes enfrentadas, que atinge, inevitavelmente, o setor imobiliário.

Marcado pela redução de atividades, diminuição de crédito e queda de renda, o “pesadelo” dos distratos volta a ser uma ameaça para a incorporação imobiliária.

E como ficam os distratos?

Em resumo, a Lei do Distrato prevê a possibilidade de retenção de 25% dos valores pagos em caso de distrato por desistência do adquirente e sem culpa da incorporadora.

Em caso de subordinação da incorporação ao regime do patrimônio de afetação, a retenção é de 50% e, no caso do loteamentos regulados pela Lei nº 6.766/79, a retenção é limitada a um desconto de 10% do valor atualizado do contrato.

Com a pandemia, a completa isenção do adquirente da retenção prevista em Lei não parece razoável, nem possível, em vista das lições do Código Civil e Código de Defesa do Consumidor.

Por outro lado, a negociação do percentual a ser retido, especialmente nos contratos envolvendo empreendimentos com patrimônio de afetação, que chega a 50% do total pago, é possível, com fundamento no artigo 6º, inciso V, e 51, §1º, inciso III, do CDC e o art. 413 do CC/02.

A Lei do Distrato também prevê que o atraso em até 180 dias para a entrega do imóvel também não gerará ônus para a construtora e, diante de atraso maior na entrega das chaves, o comprador poderá desfazer o negócio e terá direito a receber tudo o que pagou de volta, além da multa prevista em contrato, em até 60 dias.

Contudo, caso o andamento da obra tenha sido diretamente prejudicado pela pandemia (força maior ou caso fortuito dela decorrente), deve-se levar em conta princípios da razoabilidade e do equilíbrio contratual, de modo que eventual atraso das incorporadoras, para além do prazo de carência legal de 180 dias, não seja considerado culpa do empreendedor.

O prazo da obra pode ser suspenso, com as devidas comunicações, até que a situação seja normalizada, especialmente porque sujeitam a incorporadora à devolução integral dos valores pagos e ao pagamento da multa por atraso de obra.

Adquirente e incorporadora devem procurar caminhos para a renegociação e orientações jurídicas adequadas, de modo a reforçar a obrigatoriedade dos contratos e a busca pela manutenção dos pactos.

Em conclusão, a pandemia não deve afetar substancialmente o quadro inaugurado pela Lei do Distrato, mas diante da excepcionalidade do momento, o ideal é que se encontrem soluções equilibradas e razoáveis, que resguardem ambas as partes.

Marcela Rocha Scalassara. Advogada e membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB Londrina.