Voluntários preparam e distribuem marmitas e kits de alimentos em Londrina
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sábado, 17 de outubro de 2020
Viviani Costa - Grupo Folha
“A crise é dos ricos”, enfatiza um jovem durante apresentação cultural realizada no Jardim Cristal, zona sul de Londrina. A desigualdade, sempre presente na região, foi apenas agravada durante a pandemia. Nos gritos de protesto, o grupo pede comida, estrutura e cidadania.
Dezenas de voluntários se reuniram na manhã de sábado (17) para mobilizar a comunidade e entregar alimentos para famílias que vivem no bairro e na ocupação improvisada no final da rua Emílio Striquer. Representantes de diversos movimentos sociais se envolveram na organização e arrecadação das doações.
“A realidade aqui é dura, é triste”, adianta Josimere Pereira, moradora do bairro. Voluntária há três anos, ‘Josi’, como é conhecida na comunidade, conta que passou a receber com mais frequência pedidos de emprego e de comida em razão da pandemia da Covid-19. “Temos umas 300 famílias que passam aperto por aqui”, afirma.
Mais de 500 crianças fazem parte dessa realidade. Entre elas está o menino Miguel, de 1 ano e 7 meses, que correu para ver a apresentação cultural passando pela via sem asfalto. “Ontem, meu marido conseguiu R$ 40. Deu pra comprar um pacote de fralda e um pouco de mistura. Hoje ele foi cavar buracos para montar uma cerca e deve trazer R$ 50”, conta a mãe Cynthia dos Santos.
A família vive na ocupação há dois anos. O marido vende frutas, legumes e verduras trazidos de produtores rurais. A renda diária, que antes chegava a R$ 180, passou a variar de R$ 30 a R$ 50.
O filho caçula tem outros dois irmãos. “Quando falta, saio pedindo ajuda e o pessoal aqui vai se ajudado. Um tem ovo, outro tem leite, um tem macarrão. Hoje a gente vai comer a marmita que o pessoal vai distribuir. Aqui mesmo só tem macarrão”, diz. Há alguns dias, Cynthia começaria a fazer faxinas quinzenais, mas a pessoa interessada desistiu quando soube que ela tem filhos e não teria com quem deixá-los.
O desemprego tem aumentado especialmente entre as mulheres e as pessoas acima de 40 anos. A constatação é das voluntárias Valdelice Dourado e Sônia Nascimento. “A impressão que a gente tem é que as pessoas estão sendo descartadas depois dos 40”, lamenta Sônia.
A dona de casa era vendedora autônoma e ficou sem a renda no início da pandemia. Valdelice estava com depressão e viu no voluntariado uma forma de “ocupar a cabeça”, como ela mesma define. “Toda segunda-feira, a gente faz um sopão para umas 150 pessoas. Algumas ficam sem, mas é o que a gente consegue fazer. Falta estrutura e faltam alimentos”, detalha Valdelice.
Neste sábado, cerca de 400 marmitas foram distribuídas, além de kits com legumes e verduras. Boa parte dos alimentos foi produzida e doada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A educadora social e voluntária Lua Gomes ajudou no preparo das refeições. “A importância dessa ação é trazer à luz a reflexão sobre as desigualdades que existem na nossa cidade, na nossa sociedade como um todo. Aqui em Londrina há várias localidades com vulnerabilidade econômica e social alta. A cidade é muito bonita, visualmente muito agradável. Há um número muito grande de habitações irregulares. A discussão da fome e da moradia digna ela vai muito além do que as pessoas conseguem ver a olho nu, da janela da própria casa”, ressalta.
As atividades realizadas em Londrina fazem parte da Jornada Nacional de Lutas Periferia Viva contra a Fome promovida em 18 estados do Brasil para chamar a atenção do poder público para as necessidades básicas da população e lembrar o Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro. Integrantes da Periferia Viva, iniciativa que reúne movimentos sociais populares das periferias, e o Levante Popular da Juventude estavam entre os envolvidos nas ações organizadas na zona sul.
O integrante do CJV (Centro Juvenil Vocacional), Márcio Teixeira, também participou das atividades. “Essa é a voz da comunidade. O pessoal está com fome e precisamos matar essa fome. Todas as políticas públicas que estão sendo feitas não estão garantindo isso. Temos um auxílio emergencial que está diminuindo, temos preços do arroz e do óleo nas alturas. As políticas públicas que deveriam estar sendo feitas nesse momento para colaborar com tudo isso, não estão acontecendo”, alerta.
Em meio à falta de estrutura, a prevenção à pandemia fica em segundo plano. “Comprar álcool gel nem pensar. A gente tem que escolher o que comprar e criança tem fome, né”, lembra Balbina dos Reis ao lado do marido e dos quatro filhos.