SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um vídeo da virologista Judy Mikovits sobre a Covid-19 está sendo excluído das redes sociais por reunir informações falsas. Controversa, a norte-americana afirma que o novo coronavírus foi manipulado em laboratório e o relaciona a uma trama de bilionários globais, entre eles Bill Gates, que teriam o objetivo de lucrar com a pandemia.

Nos últimos dias, o vídeo conspiracionista chamado "Plandemic" tem sido explorado por grupos que pedem o fim do isolamento social. Publicado pela primeira vez na semana passada, arrebatou em poucos dias mais de 4,5 milhões de visualizações no YouTube antes de ser removido pela primeira vez.

Além do Youtube, as redes sociais Facebook e Twitter também estão removendo o vídeo de suas plataformas. Ao tentar acessá-lo, os internautas se deparam com a mensagem de que o vídeo foi excluído por "violar as diretrizes da comunidade". As empresas afirmam que trabalham para impedir a disseminação de informações imprecisas e falsas sobre a Covid-19, que podem prejudicar as populações.

O potencial de disseminação da gravação se deve, em parte, ao discurso alarmista da virologista Mikovits. Durante 26 minutos, ela é entrevistada pelo cineasta Mikki Willis, que já compartilhou conteúdos considerados conspiratórios em seu canal no YouTube.

A virologista afirma na entrevista, sem apresentar provas, que foi criado um alarmismo em relação ao coronavírus com a intenção de enriquecer pessoas como Bill Gates e o imunologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês).

No vídeo, ela acusa Fauci de ter se apropriado na década de 1980 de sua pesquisa sobre Aids e, com isso, protelado o tratamento de pacientes infectados com HIV, o que teria causado a morte de milhões de pessoas.

Atualmente, o imunologista é referência da força-tarefa norte-americana contra a Covid-19. A virologista Mikovits afirma que Fauci faz a mesma coisa com a doença provocada pelo novo coronavírus, protelando o tratamento adequado para os milhões de infectados no mundo inteiro.

Não há evidências de que os dois se conheceram. Em entrevista ao site de verificação online Snopes, Fauci negou ter ameaçado Mikovits. "Não tenho a menor ideia sobre o que ela está falando", disse o imunologista.

Na gravação, Mikovits afirma que o sistema de patentes norte-americano permite que milionários como Bill Gates se apropriem de descobertas e marcas resultantes de pesquisas em universidades inclusive públicas, subsidiadas com recursos dos contribuintes.

O vídeo com as acusações contra Fauci ganhou notoriedade e foi compartilhado por grupos favoráveis a Trump por causa da divergência entre o imunologista e o presidente norte-americano.

Embora parte da equipe de governo, Fauci é criticado por eleitores de Trump por divergir no combate à pandemia. O médico e Trump entraram em discordâncias sobre o uso da hidroxicloroquina no tratamento da doença e sobre a reabertura da economia norte-americana.

Em relação ao medicamento, o vídeo apresenta depoimentos de médicos que defendem o uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com Covid-19.

Também apresenta um estudo, sem identificá-lo, que teria envolvido quase 2,3 mil médicos em cerca de 30 países e concluído que a hidroxicloroquina foi classificada como o medicamento mais eficaz para tratar o vírus "Esse é o medicamento essencial e ele [Fauci] o mantém longe das pessoas", afirma Mikovits.

Nos últimos dias, entretanto, dois grandes estudos apontaram que não foram encontradas evidências de que o uso da hidroxicloroquina influenciaria na redução de mortes e intubações. Por isso, a argumentação apresentada no vídeo é infundada.

Em uma de suas defesas mais polêmicas, Mikovits endossa a tese de que usar máscara pode deixar uma pessoa mais vulnerável a doenças por causa de enfraquecimento da imunidade humana. Ela sugere que o isolamento social é perigoso porque reduz a exposição a vírus e bactérias e, consequentemente, a capacidade do sistema imunológico.

Também não há evidência de que usar máscara pode ativar vírus e deixar uma pessoa doente.

À reportagem o Facebook justifica a decisão de retirar o vídeo porque "a sugestão de que o uso de máscara pode levar alguém a ficar doente pode causar danos físicos no mundo real".

Contrária ao isolamento, a virologista discorda do afastamento das pessoas de locais públicos, incluindo praias. "Por que fechar a praia? Você tem sequências no solo, na areia. Você tem micróbios de cura no oceano, na água salgada. Isto é uma insanidade", afirma Mikovits.

Artigo publicado revista Science afirma que não está claro o que Mikovits quer dizer com sequência no solo ou na areia. Também aponta que não há evidência de que os micróbios da água salgada podem curar pacientes com Covid-19.

A virologista afirma ainda que o novo coronavírus foi manipulado em laboratório. Diversas análises, porém, concluíram que o vírus foi originado naturalmente, através de seleção natural.

Uma das características que levaram os pesquisadores a essa conclusão é a estrutura central do organismo, que é distinta de outros vírus. Segundo os cientistas, a manipulação de um vírus em laboratório partiria da estrutura de outro vírus com efeito conhecido.

No vídeo, Judy Mikovits diz que foi perseguida, presa e que teve sua liberdade cerceada.

De acordo com reportagem publicada no jornal americano The New York Times, porém, a história é diferente. Em 2009, ela e outros pesquisadores publicaram um estudo na revista Science associando um retrovírus de camundongo à síndrome da fadiga crônica.

A pesquisa acabou não se comprovando, e a revista Science teve de fazer uma retratação. Por causa disso, Judy Mikovits foi demitida do Instituto Whittemore Peterson, que também a acusou de roubo de dados e de equipamentos. Ela acabou presa e, quando libertada, ficou no anonimato, até o aparecimento do vídeo "Plandemic".

A notoriedade de Mikovits também aumentou as vendas de seu novo livro, chamado "Plague of Corruption" (Praga da Corrupção, em português), que alcançou o primeiro lugar na lista de best-sellers impressos da Amazon nos Estados Unidos na semana passada e que promete "restaurar a fé na promessa da ciência".