Em 15 de junho de 2017, o estudante Gabriel Sartori, 17, foi morto a tiros no conjunto Cafezal, na zona sul de Londrina, por um policial militar à paisana. O crime aconteceu em frente a um colégio e, segundo testemunhas, o assassino e a vítima teriam discutido, levando o policial a disparar contra o adolescente, que morreu no local. O policial militar alegou que o tiro foi acidental.

Um ano após a morte do estudante, a mãe do jovem, Cristiane Sartori, se refaz da dor da perda. A ida prematura de Gabriel não apenas separou a mãe de seu único filho. Com o assassinato, foram embora também os sonhos e planos para o futuro, como o primeiro emprego, que lhe permitiria ajudar no orçamento doméstico e comprar o que a mãe não tinha condições de lhe dar, o alistamento no Exército e a tão sonhada carteira de motorista, o presente prometido para o aniversário de 18 anos, a serem completados em 15 de abril deste ano.

"Pelo fato de eu ter me separado quando ele tinha quatro anos, basicamente éramos só eu e ele. Então, criamos uma parceria muito grande. Além de mãe e filho, éramos muito amigos", contou Cristiane. "Seu maior medo era me deixar, infelizmente o que veio a acontecer."

Entre netos, primos e sobrinhos, Gabriel era um dos mais paparicados, o que torna a sua ausência ainda mais sofrida dentro da família. "Depois de um ano sem minha metade, há uma saudade do que não vivi neste último ano com ele e dos anos que ainda viriam. A dor sempre vai existir, mas não temos opção a não ser seguir a caminhada", frisou a mãe. "Fico triste com tanta violência porque, infelizmente, meu filho não foi o primeiro e nem será o último."

A tragédia familiar vivenciada pelos parentes de Gabriel Sartori é uma entre milhares que acontecem no Brasil todos os anos e engrossa as estatísticas de homicídios no País. O Brasil integra a fatia dos 10% de países com as taxas de assassinato mais altas do mundo. Apesar de ter uma população correspondente a 3% da população mundial, o País concentra 14% dos homicídios registrados no planeta.

Imagem ilustrativa da imagem VIDAS PERDIDAS - O preço da violência



GASTOS
Além de expor a violência e a criminalidade, os números apontam um volume impressionante de gastos resultantes dos assassinatos, especialmente entre os jovens, que são a maioria das vítimas desse tipo de crime. Para cada jovem de 13 a 25 anos que morre assassinado, o Brasil perde cerca de R$ 550 mil. Em 20 anos, o País teve um prejuízo acumulado de mais de R$ 450 bilhões decorrente dos homicídios. Em 1996, os gastos com a violência somaram R$ 113 bilhões, saltando para R$ 285 bilhões em 2015, valor que corresponde a 4,38% do PIB nacional.

Os índices de homicídios registrados no País são semelhantes aos observados em Ruanda, República Dominicana, África do Sul e República Democrática do Congo, países nos quais os indicadores sociais ficam abaixo dos computados no Brasil. E as vítimas brasileiras são majoritariamente homens jovens e negros.

Os dados estão no Relatório de Conjuntura "Custos Econômicos da Criminalidade no Brasil", realizado pela SAE (Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos) do governo federal e divulgado no início da semana passada.

O estudo calculou quanto a criminalidade custou ao País entre 1996 e 2015, considerando a perda da força produtiva - quanto o Brasil deixou de ganhar com o resultado do trabalho de cada vítima. Para chegar aos R$ 450 bilhões, foram mensurados os gastos do setor público e privado nas áreas de segurança, seguros e danos materiais, custos judiciais, perda da capacidade produtiva, encarceramento e serviços médicos e terapêuticos.

PARANÁ
No Paraná, em 2015 a criminalidade custou cerca de 3% do PIB, segundo aponta o documento. Naquele ano, o PIB estadual fechou em R$ 376 bilhões. A maior parte dos cerca de R$ 11 bilhões foi gasta com segurança pública e seguros e perdas materiais. Em menor proporção, entram na conta também a perda da capacidade produtiva, gastos com segurança privada, encarceramento, custos judiciais e, por fim, serviços médicos e terapêuticos. A taxa de homicídios no Estado é de cerca de 30 para cada 100 mil habitantes.

O cientista político e secretário especial da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Hussein Kalout, avalia que o Relatório de Conjuntura evidencia a necessidade urgente de se recuperar a destinação de recursos públicos no combate à criminalidade ao mostrar o baixo retorno retorno social dos gastos em segurança pública. "Uma das recomendações é o planejamento de ações baseadas em evidências para o direcionamento da segurança pública", afirma ele por meio da assessoria de imprensa da SAE.

Para Kalout, é necessário que haja uma análise das políticas de segurança já existentes para se verificar a eficiência de sua execução, com a possibilidade de continuidade ou descontinuidade de algumas ações. "Seria uma forma mais eficaz de direcionar recursos públicos a ações de sucesso, deixando de custear políticas de segurança sem evidente retorno social."

Apesar da taxa elevada de homicídios no Paraná, a Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária) afirma que tem investido na compra de viaturas e armamento e na contratação de policiais - foram 3 mil viaturas e 11 mil policiais nos últimos anos. O reforço de pessoal e estrutura, teve como resultado "uma expressiva queda da criminalidade em todo o Paraná", afirmou a secretaria por meio de nota encaminhada pela assessoria de imprensa.

PRECONCEITO REFLETE NA CRIMINALIDADE
Psicólogo da Defensoria Pública em Londrina e professor da faculdade de psicologia da Unopar, Clodoaldo Porto Filho fala em "genocídio da juventude brasileira". "A grande maioria dos homicídios no Brasil é de jovens negros. A gente tem percebido muito isso, até mesmo no Mapa da Violência, que é apresentado todo ano com números cada vez mais assustadores."

Porto Filho trabalha com adolescentes em conflito com a lei e nessa parcela da população, afirma ele, é bem clara a influência da questão racial nas estatísticas da violência. "É bem clara, desde sempre, a questão da violência contra a juventude negra. De cada quatro jovens que morrem, três são negros. Mais de 70% dos homicídios no Brasil são de jovens negros."

O racismo arraigado na sociedade brasileira, afirma o psicólogo, se reflete nas instituições, que reproduz a cultura racista. "Esse racismo está institucionalizado em muitos órgãos e um deles é a polícia. A gente vive num país racista, preconceituoso, isso é óbvio. A gente precisava de um trabalho mais assertivo com essas instituições para evitar isso", defende.

Um levantamento feito pela Defensoria Pública em Londrina com dados coletados entre 2012 e o início de 2018 mostra que, entre os 91 adolescentes atendidos pelo Creas (Centro de Referência Especializado em Assistência Social) 2 e que morreram, 84 foram assassinados - foram 83 meninos e uma menina, com idades entre 14 e 21 anos. Quarenta e sete deles eram negros, 11 pardos, 23 brancos e cinco não tiveram a etnia identificada. Todos os crimes aconteceram em bairros da periferia.

A criação de políticas públicas efetivas também é outro ponto levantado por Porto Filho como um caminho para reduzir a criminalidade. "Há bairros em Londrina em que não há quase nenhuma política pública, onde o Estado só se apresenta na forma da polícia. O (Residencial) Vista Bela, por exemplo, foi ter uma escola só neste ano. Os Cras (Centros de Referência de Assistência Social), os Creas, os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) são serviços públicos que atendem essa população e são extremamente sucateados, o que acaba sendo um fator que agrava muito os problemas."

IMPACTO SOCIAL É 'IMENSURÁVEL'
Ao alto impacto financeiro causado pela violência, que impede o crescimento econômico sustentável do País, soma-se ainda o impacto social, como destaca o doutor em Sociologia e coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública da PUC Minas, Lúcio Flávio Sapori. "Esse alto grau de violência gera uma sociedade altamente anômica do ponto de vista sociológico. Gera uma sociedade muito pautada pelo medo, pela desconfiança nas relações sociais e, à medida que uma sociedade como a nossa vive pautando seu cotidiano pelo medo de ser vítima do crime, ela tende, de alguma maneira, a não valorizar as instituições de Estado, a lei, a Justiça, a polícia, então isso provoca um elevado esgarçamento das relações sociais cotidianas. E isso não é mensurável", pontua.

O efeito desse impacto social, afirma Sapori, tem reflexos em todas as relações sociais, seja entre amigos, na vizinhança, no trabalho, no trânsito. "O grau de solidariedade e de cooperação na sociedade brasileira é muito baixo e isso implica também baixa qualidade de vida e acaba, inclusive, perpetuando a pobreza e a desigualdade social."

Sapori defende que a sociedade brasileira inverta o raciocínio e deixe de apontar a pobreza e a miséria como as causas dos altos índices de violência. "Ao contrário, essa violência institucionalizada se tornou uma causa de perpetuação da pobreza e da miséria."

Nos últimos 20 anos, ocorreram melhorias e avanços sociais expressivos no Brasil. Todos os indicadores da área social, de saúde, de educação, de saneamento básico, de referência da longevidade da população e o principal deles, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), calculado internacionalmente, evoluíram, mas não foram suficientes para reduzir as taxas de violência, lembra o sociólogo. "Isso mostra que não se pode mais explicar a violência no Brasil simplesmente pela exclusão social."

POLÍTICA PÚBLICA
A reversão dessa realidade, segundo o especialista, passa pelo fortalecimento do Estado de Direito, que na prática significa trabalhar para que as instituições de Estado, como polícia, Justiça e sistema prisional, funcionem adequadamente, desestimulando a sociedade a fazer uso da violência na solução de conflitos. Ações nesse sentido também contribuiriam para enfraquecer o crime organizado. "O fortalecimento do Estado de Direito significa uma política pública que vai além de simplesmente mudar o Código Penal. O principal desafio do Brasil hoje não é aumentar a severidade da lei penal, mas fortalecer a aplicação da lei."

O caminho para se chegar a esse nível, aponta Sapori, depende do fortalecimento da atuação da polícia investigativa e da política ostensiva, aumentando a capacidade de prevenção e solução de crimes, especialmente homicídios e roubos. Seria fundamental também a articulação das polícias com o Ministério Público e sistema prisional para o devido enfrentamento do crime organizado. Investimentos maciços na ampliação e profissionalização do sistema prisional e do sistema socioeducativo também poderiam contribuir para a redução da criminalidade, assim como o fortalecimento do Poder Judiciário, com o aumento do número de varas, juízes, promotores e defensores.

"É um trabalho de, no mínimo, dez anos. Não é um trabalho que se faz em um mês, em um ou dois anos. Envolve planejamento, articulação de esforços na União, estados e municípios, participação do Congresso Nacional, da sociedade civil e envolve necessidade de recursos financeiros", destaca. "Não temos que reinventar a roda, criar projetos mirabolantes e inovadores. Nós temos que fazer o básico, fazer o sistema de segurança pública funcionar minimamente bem no Brasil."