UnB lança arquivo pessoal de Carlos Lacerda
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sexta-feira, 07 de abril de 2000
Por Lige Albuquerque
Brasília, 08 (AE) - A Universidade de Brasília (UnB) lançou no dia 29 na Internet (www.bce.unb.br) o inventário do arquivo pessoal de Carlos Lacerda, um dos políticos brasileiros mais influentes do século. O inventário do Fundo Carlos Lacerda também será publicado em livro pela editora da UnB em julho, com 500 exemplares, que serão distribuídos para bibliotecas, centros de pesquisa e universidades do País. Nele estarão mapeados os caminhos para o rico e diversificado mundo de Lacerda, com um arquivo com mais de 159 mil folhas de documentos, 4.426 fotos, 266 slides, 86 discos de vinil e duas fitas de áudio.
O arquivo está aberto ao público desde dezembro de 1999, organizado e catalogado, mas faltava a divulgação. Para organizá-lo, o professor de arquivologia da UnB, Renato de Souza
coordenou uma equipe de nove alunos, que conseguiu pôr tudo em ordem, depois de seis meses de trabalho.
O inventário eclético do político reúne documentos que retratam desde suas correspondências com escritores como Rubem Braga, Gilberto Freyre e Mário de Andrade, fotos de família, romances e contos inéditos, até o material de uma frustrada campanha política para a Presidência da República, em 1965.
Doação - Os papéis pessoais de Lacerda foram doados à UnB em 1979 pela viúva do político, Letícia Abrusini Lacerda, já falecida. Posteriormente, a universidade comprou a biblioteca, mas não há registros do valor da transação. Seus livros, cuja quantidade também não está registrada, estão espalhados pelas estantes da Biblioteca Central da UnB. "Não há como afirmar se houve papéis roubados ou extraviados nesse período", diz Renato de Souza.
"Não houve censura da família quando o arquivo foi doado, mas, o que é uma pena, muita coisa possivelmente se perdeu nestes 20 anos em que os papéis ficaram espalhados na UnB", lamenta a filha do político, Maria Cristina Lacerda. Apesar das lacunas, ela comemora a organização do arquivo e sua divulgação: "Meu pai, a vida toda patrulhado pela direita e pela esquerda, vai ter um julgamento democrático: sem intermediários." Maria Cristina diz que os pesquisadores terão diante de seus olhos textos originais que reproduzem os pensamentos de Lacerda e suas convicções.
A compilação do arquivo pessoal de Carlos Lacerda foi custeada pela Fundação 18 de Março (Fundamar) e consumiu investimento de R$ 12 mil. A criação do curso de arquivologia na UnB, em 1991, provocou o surgimento de propostas para a organização do arquivo. A demora de 20 anos não foi resultado de falta de empenho. Professores da universidade chegaram a buscar referenciais no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), onde está à disposição, por exemplo, o arquivo pessoal do ex-presidente Vargas - desafeto político de Lacerda. O que faltava era dinheiro.
O patrocínio para a organização do arquivo apareceu inesperadamente. "É nada diante da oportunidade de contribuir para manter vivo o ideário de quem enriqueceu a história do País", diz Túlio Vieira da Costa. Fã de Lacerda, ele não poupa elogios. "Ninguém é indiferente ao charmeur irresistível que você é, e mesmo os que dizem detestá-lo, no fundo gostam de você", escreveu, no prefácio do livro que será lançado pela UnB. "Gostam pelo avesso, mas gostam."
Renato de Souza, que confessa nunca ter admirado o político Carlos Lacerda, acabou também se rendendo ao ecletismo "brilhante" do jornalista, escritor e orador. "O universo de interesses dele era do ar ao céu e à terra, da parapsicologia ao cultivo de rosas, do teatro até às traduções."
Amigo pessoal de Lacerda e seu secretário de Economia no Estado da Guanabara, o empresário José Cândido é fiel na representação da personalidade do político: "Eu o introduzi na paixão às rosas, mas em pouco tempo ele já sabia mais que eu, a ponto de escrever um livro sobre como cultivá-las." Cândido diz que o amigo era excessivamente organizado e pontual. "Chegava para trabalhar às 6 horas."
Papel carbono - O material pesquisado foi dividido em quatro séries: vida pessoal, produção intelectual, vida empresarial e vida política. Esse último é o mais extenso, com cerca de 71 mil documentos. O ex-governador do Estado da Guanabara guardou todo o material que usava no dia-a-dia. O político tinha o curioso hábito de copiar com papel carbono as cartas enviadas.
O professor está organizando a árvore genealógica de Lacerda, para publicar no inventário. Ele deverá enviá-la à filha Maria Cristina e ao outro filho de Lacerda, Sebastião Lacerda. A pesquisa foi feita nos textos, cartas e documentos do arquivo, que inclui até notas de açougue e padaria.