Este ano, no dia 10 de dezembro, o famoso assalto à agência do Banestado do centro de Londrina completa 35 anos. Naquele longínquo 1987, os assaltantes fizeram 300 reféns e mais de cinco mil pessoas se aglomeraram do lado de fora para acompanhar tudo. O banco estava lotado porque era dia de pagamento do funcionalismo. Os bandidos levaram 30 milhões de cruzados, o que equivalia a 10 milhões de dólares.

"Em cada andar tinha gente. Eles tinham todo tipo de armamento, até metralhadora", conta Valdir Cardoso
"Em cada andar tinha gente. Eles tinham todo tipo de armamento, até metralhadora", conta Valdir Cardoso | Foto: Roberto Custódio

A quantia exigida era tamanha que parte do dinheiro precisou ser cedida pelo Banco do Brasil. O prédio onde tudo se desenrolou, localizado na avenida Paraná, entre as ruas Pernambuco e Hugo Cabral, foi a leilão na quarta-feira (24) pela Leilão VIP. O preço mínimo solicitado foi de R$ 16.277.483,24, mas não houve interessados. O imóvel, que tem uma área construída de 5.552,92 m² em um terreno de 1.971,88 m², está desocupado há anos e representa uma marca na memória da cidade, uma vez que foi um dos assaltos mais espetaculares da história do país.

O presidente da Codel (Instituto de Desenvolvimento de Londrina), Bruno Ubiratan, tem uma relação íntima com o episódio. Ele tinha apenas um ano de idade, mas o pai dele, então repórter da Folha de Londrina, Paulo Ubiratan, teve participação decisiva na cobertura e no desenrolar do assalto. Ele sempre relatava para Bruno a situação enfrentada. “Ele estava fora do banco, como jornalista, e o marido de uma das reféns disse que seria pai pela primeira vez. Isso o motivou a entrar no banco e fazer a troca. Para nós, ele teve um ato heroico ao entrar no banco em troca de duas grávidas reféns.”

O imóvel foi a leilão com lance mínimo de R$ 16,2 milhões, mas não houve interessados
O imóvel foi a leilão com lance mínimo de R$ 16,2 milhões, mas não houve interessados | Foto: Gustavo Carneiro

No entanto, Bruno revela que sua mãe ficou preocupada e apreensiva com a iniciativa de Ubiratan. “Ela viu pela televisão que meu pai tinha entrado no banco. Além de ter feito a troca, ele foi um dos 14 reféns no ônibus de fuga dos assaltantes. Meu pai relatou que houve troca de tiros entre policiais e assaltantes.”

Em 2018, Bruno Ubiratan ficou a poucos metros do líder dos assaltantes, conhecido como Moreno, durante o lançamento do documentário “Isto (não) é um assalto”, do cineasta Rodrigo Grota. “Fiquei até feliz de vê-lo reabilitado e tendo uma vida normal. De uma maneira ou de outra é a lembrança de um fato histórico”, declara.

O ex-jogador do Londrina Valdir Cardoso, que atualmente trabalha no departamento comercial da Folha de Londrina, foi um dos reféns. “Eu tinha conta lá. Fui para a agência bem na hora que tudo aconteceu. Os bandidos anunciaram o assalto dizendo que não queriam nada dos reféns. Pediram que todo mundo permanecesse deitado.” Segundo ele, o bando deveria ser formado por cerca de dez pessoas. “Em cada andar tinha gente. Eles tinham todo tipo de armamento, até metralhadora. Mas o Moreno foi bem tranquilo e não deixou o pessoal apavorado. Ele pediu que todos ficassem numa boa.”

Como a negociação demorou, os assaltantes, segundo Valdir, passaram a tratar todos "como amigos". “Mandaram vir lanches, iogurte, refrigerante e água e distribuíram para todo mundo. O pessoal do banco falou até que parecia um piquenique”, relata. O que ele não sabia é que o irmão dele estava na primeira equipe policial a chegar ao local e impedir que os bandidos fugissem rapidamente.

O policial civil aposentado Luiz Cardoso, 67 anos, não imaginava que seu irmão estava dentro da agência. Ele estava para sair do plantão, junto com o colega Bento, quando uma ligação avisou a polícia sobre o assalto. “Fomos para frente da agência e os caras saíram com aquelas armas apontadas para a gente”, conta. O diálogo entre os policiais e os bandidos foi breve. “Eles falaram: ‘Vocês dois vão morrer’. E nós respondemos: ‘Vocês também vão, porque o banco está cercado’. Aí eles voltaram correndo para a agência.”

Antes mesmo da chegada da Polícia Militar, Luiz Cardoso foi a um escritório em frente ao Banestado, por onde começou a negociar. “Perguntei o nome dele e ele falou que não quis dizer. Então eu disse que ia chamá-lo de Moreno. Quem deu a alcunha de Moreno a ele fui eu. Depois de meia hora chegou o delegado na época, Wanderci Fernandes. Desci e deixei a negociação com ele.”

O escritor Domingos Pellegrini, colunista da Folha de Londrina, reconstruiu o caso no livro-reportagem "Assalto à brasileira" (1988), relembrando uma das maiores coberturas jornalísticas da história da cidade.

O escritor Domingos Pellegrini, autor do livro-reportagem "Assalto à brasileira" (1988), reconstruiu o caso em um livro-reportagem, relembrando uma das maiores coberturas jornalísticas da cidade até hoje.
O escritor Domingos Pellegrini, autor do livro-reportagem "Assalto à brasileira" (1988), reconstruiu o caso em um livro-reportagem, relembrando uma das maiores coberturas jornalísticas da cidade até hoje. | Foto: Reprodução

Fernandes foi entrevistado pela Folha de Londrina em 1997 para falar sobre o episódio. ‘‘Quando entrei no banco, achei que os assaltantes eram profissionais e me conheciam. Vi aqueles caras com lenço cobrindo o rosto e carabina na mão. Pensei que estava frito: eles poderiam se vingar de mim.’’

Crime teve grande destaque nas páginas da Folha de Londrina
Crime teve grande destaque nas páginas da Folha de Londrina | Foto: Reprodução

O jornalista Rogério Fischer era repórter da Folha de Londrina e participou da cobertura do crime. “Eu fui escalado em um primeiro momento e ficamos na calçada em frente ao banco. Quando a cidade ficou sabendo do assalto, todo mundo foi para lá. Na época o trecho ainda não era o Calçadão, era uma rua normal. A polícia fez barreiras. As pessoas não se preocuparam com um eventual tiroteio e parecia que estavam torcendo para os bandidos. Foi uma coisa novelesca". conta.

"O pessoal credenciado, como a imprensa, ainda conseguiu circular na frente, mas a gente não tinha o que fazer, porque o vidro era fumê e não tinha como ver o que acontecia lá dentro”, relembra Fischer.

Quando os bandidos começaram a fazer exigências para fugir com segurança, o jornalista Paulo Ubiratan burlou o cerco da polícia para levar mantimentos para as pessoas no banco e se propôs a ficar no lugar das reféns grávidas. “Ele foi uma figura ímpar naquele episódio.”

Fischer recorda também de outro momento de tensão, que ocorreu quando o ex-fotógrafo da Folha, Milton Doria, subiu em um sobrado em frente ao prédio para fazer fotografar a movimentação. Os bandidos acharam que ele estava com uma arma. ‘‘Aquele seu policial está com a metralhadora apontada para a gente!’’, disse Moreno, na ocasião. O delegado estão explicou que a tal ‘‘metralhadora’’ era uma máquina fotográfica com lente objetiva.

Uma das exigências foi a cessão de um ônibus com o tanque cheio para a fuga. O Hemocentro cedeu o veículo. “A saída da quadrilha eu assisti na redação da FOLHA, ao vivo, transmitida pelo Jornal Nacional, que anunciou o Dia de Cão, em referência ao filme homônimo. Os bandidos fizeram como no filme. Fizeram um cordão de reféns em círculo e saíram de dentro do círculo para se proteger da polícia", completa Fischer.

Os assaltantes jogaram dinheiro pela janela para tumultuar a perseguição dos policiais. Seguiram em direção a São Paulo. Na rodovia Castelo Branco, começaram a aparecer policiais militares na beira da pista. A polícia foi atrás do ônibus a uma distância segura. Os assaltantes levaram 14 reféns, inclusive Ubiratan e Fernandes. No veículo, os bandidos chegaram a distribuir parte do fruto do assalto entre os reféns. Os policiais militares paulistas chegaram a abrir fogo contra o veículo.

Ninguém morreu, 6 dos 7 assaltantes, incluindo Moreno, foram presos e 27 milhões de cruzados foram recuperados. O resto do dinheiro desapareceu. Paulo Ubiratan, em seu retorno a Londrina, relatou sua experiência de refém ao jornalista João Arruda. "Ele chegou à redação com um bolo de notas, entregue pelos assaltantes" , relata Fischer. O dinheiro foi entregue à polícia. Moreno cumpriu pena em Londrina até 2006.

POR POUCO

O ex-caixa do Banestado, Francisco José Cardoso, escapou de ser refém por pouco. "Posso dizer que escapei na hora H." Tudo isso porque sua filha nasceu naquele mesmo dia do assalto. "Eu cheguei no banco de manhã e, por volta das 10h30, eu fui ao hospital para acompanhar o nascimento dela. Quando eu cheguei ao hospital, minha filha nasceu. A sorte é que minha filha nasceu e eu não fiquei lá dentro. Fiquei feliz por ela ter nascido, mas apreensivo pelos amigos que ficaram lá dentro. Voltei ao banco, porque tinha de fazer algo e vi a multidão. Não cheguei a entrar no banco novamente."

Ele ficou em casa por três dias, em licença paternidade, e quando retornou ficou sabendo pelos colegas que os assaltantes fizeram a limpa. "O nosso gerente não tinha todo o dinheiro que eles queriam e tiveram de pedir o restante ao Banco do Brasil. Meus colegas contaram que tinham muitos assaltantes e os funcionários não sabiam quem era o cabeça. Levaram carteiras, relógios e correntes dos funcionários."

Depois disso, a agência recebeu reforço na segurança. "Mas depois que 'quebra o cadeado' não adianta nada. Ninguém esperava que bandidos fossem ter coragem de assaltar um banco no centro de Londrina. Até hoje comentam esse episódio comigo."

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