Pesquisadores da UFPR (Universidade Federal do Paraná) começaram a desenvolver uma vacina contra a Covid-19 em maio de 2020, quando o projeto foi contemplado com R$ 250 mil do CNPq, entidade ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Um ano e nove meses depois, apesar de a pesquisa ainda estar na fase de testes em animais, a instituição descarta, ao menos neste momento, suspender as atividades.

Imagem ilustrativa da imagem UFPR descarta suspender pesquisa de vacina contra Covid
| Foto: iStock

O início em 2020 ocorreu após o projeto ser contemplado com recursos do CNPq utilizados para aquisição de insumos. Além desse aporte inicial, foi destinado mais R$ 1 milhão do fundo estadual de pesquisas (Fundação Araucária) e da Seti (Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), órgão ligado ao governo do Estado.

“Esse valor [R$ 1 milhão] é para bolsas, insumos e três equipamentos, sendo usado gradualmente. Os processos de compra são lentos e o recurso ainda não foi totalmente utilizado. A liberação ocorreu por volta do meio de 2021”, explica Breno Castello Branco Beirão, professor da cadeira de Vacinologia do Departamento de Patologia Básica da UFPR.

A pesquisa está na fase de testes em animais atualmente. “A vacina já provou ser capaz de induzir anticorpos neutralizantes sem o uso de insumos adjuvantes”, afirma o professor.

Ele explica que algumas vacinas precisam receber uma molécula extra na formulação [insumos adjuvantes] porque sozinhas não provocam reação imune. É o caso da Coronavac, por exemplo.

O docente diz que ainda falta fazer o teste toxicológico, que deve ser executado de maneira simultânea com os testes em animais, sendo que há poucos laboratórios habilitados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil para isso.

“Atualmente não há possibilidade de suspensão dos estudos, independentemente de recursos serem liberados”, afirma o professor.

Com relação às próximas fases, o investimento necessário para o teste completo em seres humanos pode chegar a R$ 200 milhões (fases 1 a 3), segundo o professor. “A UFPR está se propondo a ir até fase 2, o que esperamos executar por cerca de R$ 10 milhões. Esse recurso está sendo solicitado com possíveis fontes financiadoras”, esclarece.

Beirão destaca que seria necessário um apoio enorme de outras instituições para a UFPR conseguir ir até a fase 3. “Caso isso não seja alcançado, uma das possibilidades é licenciar a tecnologia para uma empresa privada”, pontua.

A fase 1 testa a vacina em cerca de uma dúzia de pessoas para verificar se há efeitos adversos significativos. Na fase 2, busca-se verificar a eficácia em até cerca de 100 participantes. A fase 3 visa comprovar a eficácia, podendo abranger de 10 mil a 50 mil pessoas.

IMPORTÂNCIA

O pesquisador explica que, caso chegue ao mercado, a vacina criada pela UFPR seria um produto inteiramente nacional, sem que seja necessário pagar royalties a empresas estrangeiras.

“Além disso, será uma tecnologia que poderá ser replicada para avançarmos eventualmente para vacinas contra outras doenças para as quais ainda não temos imunizantes, como malária, dengue, zika, leishmaniose e Chagas”, enumera.

O docente acrescenta que a comunidade já tem dado uma ajuda excepcional nas pesquisas da vacina, primeiramente por manifestar apoio ao projeto nas redes sociais.

A UFPR também elaborou um programa de doações de recursos no site vacina.ufpr.br/doar. “Esses recursos têm sido angariados justamente para o financiamento da parte clínica do estudo (as fases 1 e 2 em pessoas voluntárias). A UFPR e os pesquisadores agradecem profundamente o apoio de várias instituições e pessoas que consideraram importante seguirmos com essa pesquisa. Isso tem sido um movimento único. Nos sentimos privilegiados e carregamos a responsabilidade de dar o melhor produto que conseguirmos de volta para a população paranaense”, conclui.

SPUTNIK

O governo do Paraná desistiu, no ano passado, de produzir a vacina Sputnik V em parceria com o Instituto Gamaleya (Gamaleya Research Institute of Epidemiology and Microbiology). Segundo o secretário estadual da Saúde, Beto Preto, houve dois ou três pontos que foram importantes nesse processo todo.

“Primeiro, porque não houve a aprovação pela Anvisa em momento algum. A documentação que foi colocada à disposição da Anvisa não foi aprovada e também não foi complementada. Isso acabou fazendo com que o processo não avançasse e nós, aqui no Paraná, trabalhamos 100% dentro da chancela da Anvisa.”

Segundo ele, o segundo ponto é que havia a possibilidade de um convênio com o Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná). “Tinha parceria do próprio laboratório com o fundo russo, que era o detentor da patente da Sputnik V. Então, poderia haver uma parceria com o laboratório Tecpar, que é um laboratório público, para que nós pudéssemos, inclusive, pensar em produzir a vacina aqui, mas isso não avançou e houve, por parte dos representantes da vacina russa, o interesse econômico de montar uma relação com um laboratório privado brasileiro.”

O secretário ressalta que, além de não avançar com o registro da Anvisa, eles passaram a tratar diretamente com o laboratório privado. “Isso tudo ocorria naquele momento em que mais faltava o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) para a produção de vacina. Sempre trabalhamos com duas lógicas. Primeiro é que tem que ser chancelado pela Anvisa. E, em segundo lugar, defendemos desde o início que quem fosse o comprador de vacinas para o país todo fosse o Ministério da Saúde para fortalecer o PNI (Programa Nacional de Imunizações). Porque se você libera a conta dos estados, por si só, tem a economia de escala.”

Confrontado com a informação de que, sob esse critério, o investimento do governo do Estado para o desenvolvimento da vacina pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) não seria justificado, o secretário argumentou que a universidade tem lastro e conhecimento para conseguir bons produtos.

“Em algum momento nós teremos mais condições de avançar. Temos recursos que vão ser repassados provenientes de um esforço do Tribunal de Contas do Estado, que fez o depósito para o estado do Paraná. Essa pesquisa vai exigir mais investimentos.” (Colaborou Vítor Ogawa/Reportagem Local)