UEL reserva até 100% de vagas de residência médica para cotistas
Decisão causou revolta entre estre estudantes, que alegam falta de transparência da instituição de ensino
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Decisão causou revolta entre estre estudantes, que alegam falta de transparência da instituição de ensino
Bruno Souza - Especial para a FOLHA
O edital de distribuição de vagas para residência médica na UEL (Universidade Estadual de Londrina), publicado na última segunda-feira (21), causou revolta entre estudantes de Medicina da universidade. Isso porque algumas especialidades oferecidas não estão disponíveis para ampla concorrência, apenas para candidatos pretos, pardos e PcDs (Pessoas com Deficiência).
A peculiaridade só foi explicada, por meio de um novo edital, cerca de um mês após o fim das inscrições. A falta de transparência levou diversos estudantes esperançosos pelas vagas a pagarem a inscrição de R$ 692. Eles souberam só depois que não têm direito às oportunidades.
As vagas disponíveis para especialização em psiquiatria, dermatologia, oftalmologia e cirurgia do aparelho digestivo, de acordo com o edital, só poderão ser ocupadas por pessoas que se adequem a alguma cota. Psiquiatria e dermatologia, por exemplo, são as especialidades mais concorridas, com 134 e 115 inscritos, respectivamente, para 3 vagas disponíveis para cada, todas destinadas a estudantes pretos ou pardos (1 vaga) e PcDs (2 vagas).
Logo após a divulgação, diversos estudantes se manifestaram nas redes sociais. Alexandre Bissoli, graduando do 6º ano de Medicina, concorrente à residência de anestesiologia e um dos coordenadores dos demais alunos foi um dos reclamantes. "Nós, estudantes da UEL, estamos indignados com o edital de residência da nossa faculdade. A quantidade de vagas ofertadas para cotas foi calculada em cima do total de inscritos de cada área e não do total de vagas do curso. Não há vagas em concorrência universal para oftalmologia, nem para psiquiatria", explanou no Instagram.
Ele disse que o sentimento dos alunos prejudicados, assim como de grande parte da comunidade médica de quem eles buscaram apoio, foi de "grande espanto". "Não houve mobilização alguma por parte da instituição para mudar a situação. Isso gerou grande revolta por parte de muitos estudantes e médicos que conciliam seus estudos com a conhecida alta carga de trabalho como médicos e internos de medicina, para, a menos de três semanas para a prova, serem surpreendidos pela impossibilidade de ampla concorrência."
Bissoli, que concorre a apenas 20% das vagas disponíveis em sua especialidade, ressaltou que o edital de distribuição de vagas "deixou todos revoltados". "Essa distribuição de vagas foi posterior ao prazo de inscrições, levando os candidatos a se sentirem enganados pela organização do concurso. Quem se inscreveria para um curso que não pode usufruir da vaga?", questionou.
Bissoli espera que o certame seja revisto. Caso não seja, não descarta o apelo à justiça. "Caso não exista essa iniciativa concreta por parte da instituição, não excluímos a possibilidade de entrar com processo judicial, a fim de garantir o direito à concorrência justa de todos os candidatos."
AMB
O diretor da AMB (Associação Médica Brasileira) e membro da Comissão Nacional de Residência Médica, Fernando Sabia Tallo, também se pronunciou sobre o assunto. Ele repudiou o processo seletivo da universidade.
"Se outras universidades fizerem a mesma coisa, nós vamos excluir a maioria de ter a chance de entrar na Residência Médica? Essa vai ser a nossa opção de processo seletivo? Ninguém vai fazer nada? Isso é uma coisa absurda! Fica o meu mais absoluto repúdio à UEL", comunicou em um vídeo publicado no Instagram.
UEL
A UEL foi procurada pela reportagem para esclarecer os fatos. A instituição respondeu, por meio de nota, que "o edital foi elaborado no sentido de efetivar a política de cotas e garantir a ampla concorrência entre todos os candidatos - portadores de diploma de médico ou estudantes do último ano do curso de Medicina".
A nota também explicou que a política de cotas foi recomendada pelo Ministério Público e que foi utilizado um algoritmo que aplica a reserva de vagas em especialidades que receberam inscritos cotistas. Neste ano, das 31 especialidades médicas que ofertaram vagas, somente 9 receberam inscrições de candidatos negros, indígenas e PcDs. "Foi nestas especialidades que a reserva foi efetuada, por meio da aplicação do algoritmo, com critério objetivo, imparcial e impessoal", defendeu-se a universidade em outro trecho.
A UEL também salientou que todas as decisões foram tomadas amparadas nas legislações estadual e federal e que "somente cotistas que atingirem a média terão direito à reserva de vaga, caso contrário, a vaga é destinada à ampla concorrência. Com isso, os candidatos da ampla concorrência disputam todas as vagas ofertadas pelo edital".
A classificação final da residência médica da UEL será publicada em 20 de dezembro. As aulas têm previsão de início para 1° de março de 2025.
PASSÍVEL DE RECURSO
O advogado Rafael Munhoz Fernandes disse à reportagem que o edital polêmico da UEL é passível de recurso na justiça e abre margem para processos contra a universidade. "De acordo com a Lei 12.990/2014, a reserva de vagas para negros, pardos e indígenas deve ser aplicada em concursos públicos sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a três. A legislação visa garantir uma maior inclusão e representatividade de grupos historicamente marginalizados, sem, no entanto, prejudicar o direito de ampla concorrência", analisou Fernandes.
Segundo ele, as especialidades direcionadas integralmente aos cotistas, como de dermatologia e de psiquiatria, podem ser vistas como um erro na aplicação da lei. "A lei sugere a reserva de parte das vagas, e não a totalidade delas, para garantir um equilíbrio. Ao destinar 100% das vagas para cotistas, a universidade pode ter comprometido o princípio da ampla concorrência, que também precisa ser resguardado."
O advogado pondera que as cotas são fundamentais para corrigir desigualdades sociais e raciais no país, mas não podem ser aplicadas de qualquer maneira e que é necessário um equilíbrio entre inclusão e justiça. "As cotas são uma ferramenta poderosa para corrigir desigualdades, mas precisam ser aplicadas de forma precisa e dentro dos limites estabelecidos para garantir que ninguém seja prejudicado", ressaltou.