Tempo excessivo de tela é risco à saúde e preocupa pais
Profissionais alertam para a interferência do uso desenfreado da tecnologia no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
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sábado, 24 de agosto de 2024
Profissionais alertam para a interferência do uso desenfreado da tecnologia no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Jéssica Sabbadini - Especial para a Folha
Celular, computador, televisão, videogame, tablet e outros tantos aparelhos eletrônicos com tela estão disponíveis no mercado. Hoje, é comum ver crianças que ainda nem disseram a primeira palavra ou deram apenas os primeiros passos com alguns desses equipamentos tecnológicos em mãos. Mas será que isso é saudável?
Uma audiência pública foi realizada na Assembleia Legislativa do Paraná para debater os malefícios do uso excessivo de telas. Para a deputada estadual Márcia Huçulak (PSD), que é enfermeira e propôs o debate, há uma grande preocupação por parte de profissionais da área da saúde e da educação sobre como o uso excessivo da tecnologia vem interferindo no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Segundo ela, o debate sobre o assunto é importante pelo fato de que estudos estão indicando a relação entre alguns problemas de saúde com o tempo excessivo de tela, como miopia, déficit de atenção e a dificuldade em criar relações com outras pessoas.
Huçulak destaca que o debate não é sobre a proibição do uso de telas, mas acerca de medidas para reduzir o tempo que essa população fica em frente de celulares, computadores, televisores e outros equipamentos eletrônicos.
De acordo com ela, o controle precisa partir da família, destinando momentos do dia para realizar atividades com as crianças. “Isso vai contribuir muito mais para o desenvolvimento psicomotor e com a interação com as pessoas do que largá-las com um tablet para jogar um joguinho”, reforça.
A deputada complementa que existem casos de crianças que chegam à idade escolar sem ter desenvolvido a habilidade do “dedo em pinça”, necessária para segurar objetos pequenos objetos, como lápis, e que precisa ser estimulada durante os primeiros anos por meio de desenhos, por exemplo.
O debate sobre o uso excessivo de telas precisa acontecer de maneira geral, mas as redes sociais são um problema à parte, principalmente por conta do assédio e de outras situações que colocam crianças e adolescentes em risco.
“A criança que tem um computador tem o mundo nas mãos. Não há limites”, alerta, complementando que essa população não tem maturidade para diferenciar o que é real do que não é, e como são potenciais vítimas de golpes, por exemplo.
LADO POSITIVO E NEGATIVO
Professor de psicologia da Universidade Unopar Anhanguera, Rafael Pedro Rodrigues esclarece que os avanços tecnológicos permitiram que dezenas de funcionalidades fossem colocadas dentro de um aparelho que cabe na palma da mão, mas, com o mundo virtual e o real “se misturando”, está mais difícil definir qual deve ser o limite no que diz respeito ao tempo de uso de telas.
Rodrigues ressalta que, apesar da discussão envolver crianças e adolescentes, os mais velhos também precisam ter a percepção de quanto tempo é gasto diante dos celulares e outros aparelhos. “As crianças se espelham nos pais”, afirma, complementando que esse é um problema visto em toda a população.
Não adianta, porém, “demonizar” a utilização de tecnologias, uma vez que a tecnologia tem o seu lado positivo. O psicólogo enfatiza que não há como fugir das telas e das redes sociais, já que a interação entre os jovens é feita primordialmente pelos aplicativos de mensagens, e memes ou aplicativos de streaming são parte da rotina de lazer. A solução, portanto, está em limitar o uso de telas.
O uso ilimitado, de acordo com Rodrigues, reduz o contato com outras crianças, o que traz prejuízos no desenvolvimento pela falta de estímulo às brincadeiras e às fantasias, que são meios de os pequenos conhecerem o mundo.
Outro problema é a falta de foco, já que as crianças e adolescentes têm acesso a vídeos curtos sobre diversos conteúdos, dificultando a concentração. “Hoje é muito comum a gente ver crianças que vão dormir muito tarde porque ficaram no celular assistindo algum conteúdo”, ressalta.
Nos primeiros anos de vida, o ideal é evitar o uso, mas os aparelhos eletrônicos podem ser inseridos de maneira gradual - de uma a duas horas por dia. “Mas não pode ser só a tecnologia e o celular as formas com que as crianças têm para brincar e se expressar”, alerta. Livros, jogos e brincadeiras precisam estar presentes na rotina.
ATIVIDADES LÚDICAS
A advogada Luana da Costa Leão, 31, é mãe da Isabela Maria, de 2 anos de idade, e do pequeno Pedro Luiz, de apenas 6 meses. Na casa da família, as crianças não têm exposição a nenhum tipo de tela até os 2 anos. A partir dessa idade, o uso é mínimo. Ela conta que a filha mais velha começou a assistir filmes de baixo estímulo visual, mas apenas duas vezes na semana. “Jamais no celular e nunca vídeos curtos e muito coloridos”, ressalta.
Leão explica que tomou essa decisão ainda durante a primeira gestação, após estudar sobre o assunto e entender os prejuízos que o uso excessivo de telas traz para o desenvolvimento neurológico das crianças.
Para substituir as telas, a advogada opta por atividades com os filhos, como leitura em voz alta, brincadeiras e músicas rimadas, assim como a inserção das crianças, de acordo com o desenvolvimento de cada um, nas tarefas cotidianas. “Acredito que não é preciso entreter a criança o tempo todo, estimular a criatividade e o tédio faz com que elas aprendam a brincar sozinhas também”, aponta.