Brasília - A dois dias de completar um mês no cargo, o ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu demissão nesta sexta-feira (15), informou o próprio ministério. Em sua breve passagem pelo cargo, Teich teve seu poder como ministro minimizado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A divergência sobre o protocolo do uso da cloroquina no combate ao coronavírus, porém, foi considerada a gota d'água para a queda dele.

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. | Foto: FOLHA ARTE

Teich foi pressionado nesta semana por Bolsonaro para ampliar o uso da cloroquina para pacientes com quadros leves da Covid-19, apesar da falta de evidências científicas do medicamento no tratamento do novo coronavírus. Estudos recentes internacionais, publicados em revistas científicas de prestígio, não mostraram benefícios da droga em reduzir internações e mortes e apontaram riscos cardíacos.

O protocolo atual do ministério diz que “as evidências identificadas ainda são incipientes para definir uma recomendação”. A literatura apresenta três estudos clínicos, com resultados divergentes, sobre o uso de hidroxicloroquina. Os três estudos apresentam um pequeno número de participantes e apresentam vieses importantes".

O texto afirma que a cloroquina e a hidroxicloroquina só poderão ser utilizadas em casos confirmados de Covid-19 e a critério médico, como terapia adjuvante no tratamento de formas graves, em pacientes hospitalizados, sem que outras medidas de suporte sejam preteridas. Diz ainda que a associação de azitromicina e cloroquina ou hidroxicloroquina pode aumentar risco de complicações cardíacas.

Nesta sexta (15), Teich avisou Bolsonaro que não poderia mudar o protocolo sem comprovação científica sobre a eficácia da cloroquina no início do tratamento.

Em uma teleconferência com grandes empresários organizada na quinta-feira (14) pelo presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, Bolsonaro afirmou que o protocolo sobre o uso da cloroquina "pode e vai mudar".

Teich vinha defendendo que uma eventual mudança na recomendação do ministério só ocorreria após conclusão de estudos científicos. "Cloroquina hoje ainda é uma incerteza. Houve estudos iniciais que sugeriram benefícios, mas existem estudos hoje que falam o contrário", afirmou Nelson Teich em 29 de abril. "Os dados preliminares da China é que teve mortalidade alta e que o remédio não vai ser divisor de águas em relação à doença."

Além disso, na segunda (11) Teich foi informado pela imprensa de decisão do presidente de aumentar a lista de atividades essenciais com salões de beleza, academias e barbearias, mostrou-se surpreso e virou alvo de memes. O fato reforçou a visão de que o ministro estava afastado de decisões que interferem em recomendações da Saúde.

Na quinta (14), Nelson Teich relatou a pessoas próximas no Ministério da Saúde que estudava pedir demissão por ter ficado incomodado com a edição do decreto e com a pressão de Bolsonaro sobre a cloroquina.

Na pasta, a avaliação é de que o ministro não tinha tinta na caneta e quem coordena o ministério de fato é o general Eduardo Pazuello, secretário-executivo.

Depois da edição do decreto, o próprio general Pazuello, número 2 do ministério, já ciente de que Teich poderia pedir demissão, disse a pessoas próximas que não achava conveniente assumir o ministério efetivamente. Ele disse não que não quer ficar no meio de um tiroteio político.

Pesa também a avaliação de uma ala de militares do governo de que não seria bom para as Forças Armadas ter mais um militar da ativa no comando de um ministério pelo receio de misturar mais ainda os fardados com o governo.

Imagem ilustrativa da imagem Teich pede demissão do Ministério da Saúde
| Foto: Evaristo Sá/AFP

'Vida é feita de escolhas, e eu hoje decidi sair'

Após pedir demissão do cargo, o ministro da Saúde Nelson Teich não explicou o motivo de sua saída nesta sexta-feira (15) e disse que deu o melhor de si à frente do cargo.

"A vida é feita de escolhas, e hoje escolhi sair. Dei o melhor de mim nos dias em que estive aqui nesse período. Não é uma coisa simples estar à frente de um ministério como esse", afirmou.

Teich agradeceu a equipe de secretários e fez um aceno a representantes de estados e municípios, com quem teve embates no cargo. "A missão da saúde é tripartite, e isso é uma coisa importante de deixar claro. O Ministério da Saúde vê isso como verdadeiro e essencial. É um momento em que o país inteiro luta pela saúde", disse.

Teich citou ainda deixar um plano com diretrizes que indica diferentes níveis de isolamento social para serem adotados por estados e municípios. "Traçamos aqui um plano estratégico que foi iniciado e deve ser seguido. Temos o foco total na Covid, e temos todo um sistema que envolve a população e deve ser cuidado. Todo o sistema é pensado em paralelo. Nesse período, auxiliamos estados e municípios a passar por essas dificuldades", afirmou.

Ele evitou comentar sobre atritos que levaram a sua saída do cargo e agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro, dizendo que "seria muito ruim" para sua carreira não ter tido a oportunidade de atuar no Ministério da Saúde. "Não aceitei o convite pelo cargo, mas porque achava que poderia ajudar o Brasil e as pessoas."

Antecessor de Teich no cargo, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta classificou, em entrevista à reportagem, a saída do sucessor e o tempo de permanência dele no cargo como "um mês perdido no meio da pandemia". "Foi um mês perdido, que jogaram fora no meio da epidemia", disse, em referência à dificuldade do sucessor em nomear equipe e adotar ações.

"Eu pedi para a equipe permanecer para ajudar, e em um mês exoneraram praticamente todo mundo, e não nomearam os novos. E agora ele sai?" "Talvez ele [Bolsonaro] deva colocar lá uma pessoa que não seja médica, que não tenha muito compromisso e possa acelerar o que ele quer, porque fica difícil para um médico passar por cima de princípios básicos da ciência."