São Paulo - Uma técnica de tortura em que os dedos das mãos de pessoas encarceradas são fraturados já foi identificada em cinco Estados pelo MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura). Segundo o órgão, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a prática foi encontrada a partir da atuação da FTIP (Força-tarefa de Intervenção Penitenciária), ligada ao Ministério da Justiça. As informações são da Agência Brasil.

Esse tipo de tortura estaria disseminada pelo país e estruturalmente presente na atuação das forças dentro do sistema prisional
Esse tipo de tortura estaria disseminada pelo país e estruturalmente presente na atuação das forças dentro do sistema prisional | Foto: iStock

Coordenadora do MNPCT, a advogada Carolina Barreto Lemos revelou que o órgão começou a perceber a disseminação dessas ocorrências em locais de incursões realizadas pela FTIP, como Rio Grande do Norte e Ceará. Há registros, ainda, de presos com dedos quebrados em Roraima, Amazonas e Pará.

“Por óbvio, isso é uma forma completamente ilícita, não é algo que possa se justificar a partir de nenhum viés, não há nenhuma justificativa legal, isso se configura muito claramente enquanto um crime. Um crime de tortura porque é uma forma de castigar, de impor um castigo ilegítimo, injustificado, para além do castigo que é a própria privação de liberdade”, avalia a advogada. Ela acrescenta que a prática de fraturar os dedos está completamente fora dos padrões de uso proporcional da força.

Liderada por policiais penais federais, que coordenam os policiais penais mobilizados, a FTIP foi criada para ser empregada na resolução de crises, motins e rebeliões, no controle de distúrbios e no restabelecimento da ordem e da disciplina nos sistemas prisionais. A força-tarefa foi empregada pela primeira vez no país em 2017, na Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, diante de uma crise que resultou na morte de 26 presos.

TORTURA

Segundo a coordenadora do MNPCT, o uso dessa forma de tortura ainda não foi superado, inclusive porque a força-tarefa continua existindo e atuando, no entanto, com outro nome. “A equipe não deixou de existir, ela mudou de nome, atualmente está sendo chamada de Focopen, que é Força de Cooperação Penitenciária”, diz.

A presidente do CEPCT (Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura) do Ceará, Marina Araújo, confirma que a ação de fraturar os dedos das pessoas no cárcere não se trata de ocorrência pontual no Estado e que a prática de tortura nas unidades prisionais cearenses é um fato identificado há alguns anos como padrão sistemático.

“Tanto quebra-dedos como posições de tortura são identificados, inclusive, como práticas que estão institucionalizadas, como sanções disciplinares que as pessoas internas hoje têm sido submetidas pela Administração Penitenciária a cumprir como procedimento disciplinar”, afirma.

“O contexto de tortura foi identificado por diversos órgãos locais e familiares, tem sido denunciado exaustivamente, cotidianamente, e esse cenário já foi documentado e comprovado em diversos relatórios de órgãos inclusive nacionais. Como exemplo, a gente tem um relatório de 2019 do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura que identificou uma série de práticas de tortura e tratamento cruel dentro das unidades prisionais. Este mesmo cenário foi constatado pelo relatório de inspeções do Conselho Nacional de Justiça no ano de 2021”, revela Araújo.

COMBATE

A coordenadora do MNPCT, Carolina Lemos, salienta que técnicas de tortura de modo geral são muito disseminadas pelo Brasil e que estão estruturalmente presentes na atuação das forças dentro do sistema prisional.

“Elas se repetem, ainda que não tenha tido um intercâmbio direto entre os Estados. Então, às vezes o que a gente vê em Minas Gerais vai ter algo parecido com o Amazonas ou Paraná, porque tem uma disseminação dessas técnicas históricas”, analisa.

Em relação ao combate e prevenção de tortura no país, Lemos aponta que é necessário um controle externo para atingir o objetivo. “É fundamental um trabalho sistemático e qualificado de prevenção dessas práticas por meio da ação fiscalizatória, que é você fazer as visitas não anunciadas, chegar de surpresa nas unidades para ver o que está acontecendo de fato”, salienta.

Além do controle por meio das Defensorias Públicas e dos Ministério Públicos, ela destaca a importância dos Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura estaduais, além do nacional, que tem a função exclusiva de fazer visitas regulares, produzir relatórios e recomendações para as autoridades.

Segundo a advogada, a ideia dos mecanismos é que as visitas regulares a espaços de privação de liberdade contribuam para uma mudança na medida em que esses espaços que estão longe dos olhos do público vão ser sujeitos a um olhar externo regular.

GOVERNO FEDERAL

A Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) informou que apura as denúncias de tortura recebidas por meio da Corregedoria-Geral, que tem como função principal apurar irregularidades, abusos ou conduta indevida por parte dos servidores, além de implementar as diretrizes para as ações de correição.

Informou ainda que realiza ações de escuta com objetivo de realizar diagnósticos situacionais e identificação de demandas, na perspectiva das pessoas privadas de liberdade e dos servidores da execução penal, a fim de qualificar os serviços penais.