STJ desarquiva caso de adolescente morto pela PM em Londrina
Mãe do jovem rechaça hipótese de legítima defesa alegada pelos policiais
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 06 de fevereiro de 2025
Mãe do jovem rechaça hipótese de legítima defesa alegada pelos policiais
Bruno Souza - Especial para a FOLHA

A agente de saúde Marilene Ferraz, de 50 anos, conseguiu no último dia 20 de janeiro o aval do STJ (Superior Tribunal de Justiça) para desarquivar o inquérito que trata da morte do filho Davi Gregório Ferraz dos Santos, de 15 anos. O jovem levou 15 tiros durante suposto confronto com a PM (Polícia Militar), em 15 de junho de 2022, na Vila Recreio, na área central de Londrina. Ela nega a hipótese de que o adolescente estivesse armado e contesta o que chama de inconsistências no processo, que agora será reanalisado pelo TJPR (Tribunal de Justiça do Paraná).
O jovem, de acordo com a mãe, saiu do Conjunto Parigot de Souza (zona norte), onde morava, a fim de comprar um carregador de celular. Já na região central, enquanto comia um salgado, foi visto por PMs que averiguavam uma denúncia anônima de tráfico. O jovem teria corrido para dentro da casa onde foi baleado. Segundo laudo apresentado à reportagem por Marilene, dos 15 tiros que acertaram o menino, quatro teriam sido disparados pelas costas.
A batalha judicial começou imediatamente, com buscas por testemunhas e laudos periciais, e foi intensificada após os familiares de Davi não concordarem com o arquivamento do inquérito determinado pelo MPPR (Ministério Público do Paraná) e homologado pelo TJPR. Os órgãos apontaram a legítima defesa dos três policiais militares. Marilene e seu marido, no entanto, queriam que o caso fosse reexaminado e julgado novamente, alegando que havia provas suficientes para condenar os envolvidos.
A reportagem esteve na tarde desta terça-feira (4) no apartamento de Marilene, que falou sobre o caso e destacou que há contradições na investigação. A entrevista foi frequentemente interrompida por lágrimas, principalmente quando revia as fotos do corpo do filho mutilado.
"Esta é a mão dele com os dedos decepados [aponta para a foto]. Diz o doutor que, como ele tinha 15 anos, na inocência, achou que se fizesse assim [mãos no rosto], impediria a bala de entrar no peito, aí o projétil atingiu as mãos dele. Ele era destro, não tinha como estar pegando numa arma sem que ela estivesse com sangue. No laudo da Polícia Científica, estava escrito que a arma foi entregue posteriormente “sem nenhuma sujidade", aponta.
Marilene também refuta o relato dos policiais de que junto com Davi foram encontrados dinheiro e drogas. Ela garante que vai até o fim e não deixará de "lutar" até que a inocência de Davi seja comprovada. "Eu tenho total certeza da inocência do meu filho. Ele não era criminoso, nunca roubou, nunca matou", afirma.
ESTUDIOSO E RELIGIOSO
O adolescente sempre demonstrou interesse pelos estudos e pela vida religiosa. Desde pequeno, sonhava em ser padre e se preparava para aquilo que imaginava ser predestinado. "Quando ele tinha 11 anos, perguntaram na igreja quem queria ser padre. Nesse momento, ele escapou de mim e foi falar no microfone. Disse que queria ser padre desde os 8 anos", relembra Marilene.
Nos estudos, Davi também se destacava. Ele foi selecionado para uma bolsa de curso técnico concedida por uma faculdade particular aos alunos com as melhores notas do Ensino Fundamental. "O meu marido ficava lá esperando ele terminar o curso. Teve uma vez que meu marido tirou um cochilo no carro, acordou e viu o Davi sentado conversando com uma menina, olhando o material. Ele sentiu um orgulho tão grande."
Em determinado momento, Davi começou a demonstrar mudanças em suas atitudes, o que preocupou Marilene. Ele pediu para conversar com a mãe, até que um dia decidiu desabafar. "Ele deitou na cama e ficou conversando um pouco comigo com o rosto escondido [...] e disse que tinha experimentado maconha", lembra a mãe.
Em 2021, já com o vício assumido para a família, ele foi abordado pela PM, que encontrou maconha com ele. Os agentes o levaram para casa e fizeram uma revista na residência. Após o ocorrido, Davi passou a frequentar um projeto de ressocialização. No período, também fez algumas tatuagens com o aval dos pais.
REPARAÇÃO
Marilene deixa explícito que a sua movimentação não é apenas para comprovar a inocência de Davi, mas também para “dar voz a todas as mães que perderam os seus filhos em supostos confrontos com a PM”. Além de trabalhar em causa própria, ela é atuante em movimentos sociais que buscam mais transparência nas forças de segurança do Estado.
A servidora municipal é enfática ao dizer que espera uma reparação do Estado, mas reflete que nenhum montante será capaz de substituir a dor da sua maior perda. "A luta é grande, é árdua e isso não vai trazer o meu filho de volta. [...] Porém, eu tenho certeza que se tivessem que indenizar cada família, as mortes diminuiriam, porque, quando se fala em dinheiro, tudo muda."
A reportagem contatou a assessoria de imprensa da Polícia Militar, que informou que "irá dar fiel cumprimento a toda e qualquer decisão judicial".
A morte de Davi transfigurou o dia a dia de Marilene e de toda sua família. Ela precisou abandonar o emprego por conta das constantes lembranças de conversas por telefone que tinha com o filho.
A casa, conquistada com anos de trabalho, foi praticamente descartada. Para ela, conviver com as recordações em cada canto da residência seria uma tortura. No apartamento em que vive atualmente, entretanto, é possível observar Davi por todos os lados. Na cozinha, um relógio com o rosto de Davi estampado faz uma analogia perfeita à vida da mãe, que por mais que perceba os ponteiros girarem, sente-se presa eternamente às 17h57 do dia 15 de junho de 2022.

