SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A pedagoga Simone de Souza Costa Inácio, 45, tem dois filhos que estudam na escola estadual Salvador Romano, no distrito do Jardim Romano, no extremo leste de São Paulo, a 37 quilômetros do centro da cidade.

Desde o dia 23, ela está inquieta quanto à sequência dos estudos das crianças. "É bem preocupante, porque não avisaram nada. Soube no boca a boca e pelos noticiários que as escolas seriam fechadas", conta Simone.

O fechamento foi uma das medidas anunciadas pelo governador João Doria (PSDB), como medida para evitar a propagação do novo coronavírus. Segundo o Governo de São Paulo, a medida afetou 3,5 milhões de alunos na rede estadual e 1 milhão de estudantes na rede municipal.

No entanto medidas como aulas online ainda estão longe de estudantes do ensino público. Pais que vivem nas periferias de São Paulo também comentam que poucas informações foram dadas pela direção das escolas sobre o que fazer nesse período.

"Haverá aulas nos meses das férias, como julho e dezembro? Não sei. Estou bem aflita com a situação escolar das crianças", diz Simone.

Para que os filhos não fiquem atrasados com o conhecimento, a sala de casa virou espaço de estudo. A pedagoga comprou livros lúdicos, para incentivar a leitura, imprimiu exercícios da internet e refaz atividades de português e matemática.

"Mamãe pega bastante no nosso pé para ler os livros e fazer as atividades", comenta Isadora Souza, 8. "Estou com muita saudade da escola e dos meus amigos. Está bem chato ficar em casa", descreve Isaac Souza, 10.

Para Simone, o principal desafio de ministrar aula em casa é a dispersão das crianças e a dificuldade de entender a matéria. "Se não há um acompanhamento ou uma supervisão, eles acabam não conseguindo realizar a atividade", conta. "Por aqui, explico o que tem que ser feito e depois corrijo."

Ensinar em casa também é um desafio para a dona de casa Rosângela Cominotte, mãe de Thalia, 6, Thaina, 7, e Thayla, 12.

Moradora da periferia de Osasco, na Grande São Paulo, ela reclama da falta de material durante a quarentena. "É difícil. As meninas ficam agitadas. Elas querem sair, mas tem que deixar só dentro de casa, e ainda por cima a escola não passou nada", diz.

A mãe fala que a falta de atividades escolares deixa as filhas mais agitadas. Algumas vezes durante o dia, o acesso à internet, é permitido, mas ela ressalta que são por alguns minutos.

Em sua opinião, as escolas deveriam ter elaborado algum conteúdo para os estudantes durante o período dentro de casa. Duas das filhas estudam em uma escola municipal e a outra está em um colégio estadual.

"Eles [o governo] podiam ter dado um livro, pelo menos, para todo dia fazer uma lição", sugere. "Não nos comunicaram nada, sem reunião, e só avisaram que não era mais para ir à escola".

"Às vezes a gente manda ler um livro, ou fazer uma lição, mas não estão muito interessadas, né? A gente tem que 'estar em cima'", completa Rosângela.

Mãe autônoma, no Jardim Umarizal, distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, a escritora Thata Alves, 28, pensou em alternativas para manter o ensino em casa.

Os filhos estudam em Taboão da Serra, cidade da Grande São Paulo que é perto de onde moram. Ela conta que não foi oferecido conteúdo para os alunos durante a quarentena.

Enquanto isso, os filhos, Bryan e Brenno, estão praticando capoeira, assistindo filmes religiosos, colaborando nas refeições da casa. A mãe também estimula sua relação com a agricultura, quando a ajudam a colher elementos da horta doméstica, criada por eles.

"Estar em casa com eles influi em diversos outros aprendizados que às vezes as escolas não reconhecem. Isso é o que chamo de inteligência emocional dos meninos", comenta Thata.

Incluir celular e tablet na rotina é outra tentativa dela nesse período. "Temos desenvolvido o misto desses elementos ao nosso dia, desde livros, pinturas a celular e computador".

Por outro lado, a rotina esbarra em problemas técnicos. "A conexão falha muito. Usamos 35 megabytes aqui, mas não adianta. Cheguei a ligar na empresa que fornece, pois está oscilando muito", reclama. "O valor pago não tem um bom retorno para nós."

DESIGUALDADE

Professora de geografia na rede pública e na privada, Joyce Stancini, 23, diz que a desigualdade social no ensino escolar ficou mais explícita com a crise do coronavírus. "Assim que fiquei sabendo sobre a suspensão das aulas, no outro dia, na rede privada, já comecei a gravar as aulas online para deixar tudo à disposição dos alunos", observa.

Já na rede pública, sem o aparato tecnológico, os professores 'ficaram perdidos' com a situação, conta a professora. Além disso, as preocupações dos educadores ultrapassaram os conteúdos. "O nosso maior medo era a higiene também. Falta sabão, papel higiene e álcool em gel, que, aliás, é algo que nunca teve".

Aluno de uma escola privada no Itaim Paulista, extremo leste da capital de São Paulo, Kevin Zancle, 10, tem seguido a rotina em casa.

Ele levanta às 9h da manhã, toma o café e retorna para para estudar no quarto. Liga o computador e fica bem atento à videoaula. Se ficam dúvidas sobre a explicação dada pelo professor, consegue tirar via mensagens no Whatsapp.

É ele quem escolhe qual matéria irá fazer no dia. Dentre todas, a de matemática é a favorita, mas a mãe, Suzana Pereira, 37, pondera que precisa fazer as atividades de que menos gosta também.

"Gosto de estudar. Sou chamado de nerd na turma. No começo achei legal estudar em casa e não ir para a escola, mas, agora, sinto falta da bagunça dos meus amigos e até dos professores", conta o aluno.

Nos últimos dias, Suzana soube que as férias seriam antecipadas a partir da primeira semana de abril. Segundo ela, a ideia da escola é que os alunos não fiquem prejudicados no ensino escolar mesmo que nesse período estejam estudando em casa.

OUTRO LADO

Questionada, a Secretaria Estadual de Educação afirmou que as aulas foram suspensas como medida de segurança contra o coronavírus. Também enfatizou que o recesso de meio de ano foi antecipado.

Sobre os conteúdos, a secretaria diz que estuda parcerias com empresas de tecnologia para disponibilizar conteúdos por meio de ensino a distância, após o período de suspensão das aulas.

Por sua vez, a Secretaria Municipal de Educação de Osasco afirma que conta com uma plataforma de conteúdos para garantir a rotina de estudos dos alunos, uma vez que as atividades presenciais estão suspensas neste momento. A gestão afirma que utiliza as ações dos sites Planneta Educação e Khan Academy.

Disse ainda que os conteúdos pedagógicos e recreativos estão alinhados às competências e habilidades da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e atende a educação infantil e o ensino fundamental 1 (1º ao 5º ano), com novas atividades inseridas no decorrer das semanas.