RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Sidineia Oliveira, 43, está há cinco dias sentada na escada na porta da emergência. Lá de fora, ela suplica por alguma informação sobre Cleber Fabrício, 67, o homem de quem cuida há 15 anos. "Me sinto muito abandonada, preocupada, desesperada", ela diz, chorando.

Lá dentro, ele está em estado gravíssimo, intubado na sala vermelha junto a cerca de 20 pessoas desde domingo (22), quando os sintomas que sentia há uma semana pioraram. Ele já não andava, falava, comia nem respirava direito, e o teste nasal havia comprovado a infecção pelo novo coronavírus.

A esposa dele, Odette, tem 77 anos e não pode se arriscar a sair diante da nova explosão de casos que acontece no Rio de Janeiro. Por isso é a cuidadora quem tem cruzado a cidade quase diariamente para tentar uma decisão judicial que obrigue a transferência para um leito de UTI. Mas a resposta é sempre a mesma: não há vagas.

A escada onde Sidineia está sentada até hoje é do CER (Centro de Emergência Regional) da Barra da Tijuca, na zona oeste carioca. É uma das portas de entrada para um sistema de saúde público e privado que está pela segunda vez à beira de um colapso, fazendo médicos e enfermeiros temerem os dias de desespero que viveram em abril e maio.

Em uma publicação nas redes sociais, o coletivo "Nenhum Serviço de Saúde a Menos", que reúne profissionais da área, pede que os seguidores relatem como está a situação em suas unidades. As respostas variam entre "aumentando", "tenso", "lotado" e "caos".

"Estamos basicamente voltando ao início da pandemia, quando ocorreu aquele colapso todo. Já está faltando saída de oxigênio nas emergências e tem paciente aguardando em cadeira ou maca em UPAs [unidades de pronto atendimento] nas zonas norte e oeste", diz Pedro Archer, diretor do sindicato dos médicos (Sinmed/RJ).

Ele relata que durante a pandemia muitos profissionais deixaram a rede municipal por atrasos nos pagamentos. Também afirma que, segundo colegas da central de regulação de vagas do estado, já há novamente doentes da capital sendo levados para o hospital de referência Zilda Arns, em Volta Redonda, a mais de 1h30 de distância.

Os números da prefeitura explicam o porquê. A ocupação das UTIs públicas na cidade estava em 94% na noite desta quinta (26). Na prática, porém, os 33 leitos disponíveis (de um total de 548 existentes) não são suficientes para os que esperam por uma transferência.

Essa fila vem crescendo cada vez mais e já chega a 92 pessoas no Rio e na região da Baixada Fluminense, de onde muitos saem em busca de leitos na capital. É quase o triplo do registrado duas semanas antes (32 pessoas), quando a ocupação das unidades de terapia intensiva ainda estava em 77%.

A gestão de Marcelo Crivella (Republicanos) ressalta em nota que "as pessoas que aguardam leito de UTI estão sendo assistidas em leitos de unidades pré-hospitalares, com monitores e respiradores". Em casos como o de Cleber, porém, a unidade diz à cuidadora que não tem como fazer os exames necessários.

"O hospital não pode superlotar, tem uma quantidade X de vagas, então o paciente vai para as unidades de baixa complexidade, que vão enchendo. Isso já acontece habitualmente no Rio porque temos falta de leitos, então agora com certeza está acontecendo", diz o médico Pedro, que trabalha em um centro de atenção básica e pediu para ter o nome trocado.

Ele diz que pela primeira vez em meses teve dificuldade para remover um paciente para um hospital nesta semana, porque não havia leito disponível. A ambulância, que normalmente levava uma hora, demorou quatro. "Não estamos no mesmo patamar de abril ou maio, quando o paciente ficava o dia todo esperando, mas está demorando mais."

Apesar de ainda não ter sido tão afetado como a capital, o estado também tem números que preocupam. Em apenas dez dias, a taxa de ocupação de leitos estaduais disparou de 56% para 79% nas UTIs e de 22% para 48% nas enfermarias.

A lista de pacientes que aguardam por transferência também saltou de 152 para 276 no mesmo período. Se na nota do último dia 17 a Secretaria Estadual de Saúde ressaltava que "não havia falta de leitos para Covid no estado", no comunicado desta quinta o aviso não aparece mais.

Os leitos públicos vinham sendo reduzidos nos últimos meses. O único hospital de campanha que restou foi o da prefeitura, já que a gestão do governador afastado Wilson Witzel (PSC) fechou todas as suas unidades. O governo federal também desativou as poucas vagas que existiam no Hospital de Bonsucesso após um incêndio em outubro.

Na segunda (23), o governador em exercício Cláudio Castro (PSC) e Crivella anunciaram em conjunto a abertura de 214 vagas espalhadas por hospitais "o mais brevemente possível". A reportagem apurou que havia um total de 339 leitos impedidos na cidade nesta quinta, ou seja, que existem mas não podem ser usados por falta de profissionais, oxigênio, insumos etc.

O governador também citou testagem em massa e diagnóstico precoce como medidas para conter o vírus, mas algumas unidades relatam falta de testes. O prefeito disse ainda que vai endurecer a fiscalização contra aglomerações e eventos que têm se espalhado pela cidade.

Crivella, que concorre à reeleição contra Eduardo Paes (DEM), permitiu festas e shows desde 1º de outubro, com restrições. Ele anunciou a última fase de flexibilização no início deste mês, liberando aulas, praias e restaurantes self-service. Na semana passada, disse à CNN que "não há a menor hipótese de ocorrer" um lockdown.

Enquanto isso, a rede privada passa pelo mesmo aperto da rede pública. "Os leitos para Covid estão praticamente cheios", diz o médico Graccho Alvim, diretor da principal associação de hospitais do estado (Aherj). Segundo ele, parte das unidades reabriu leitos, reiniciou a triagem separada para pacientes com sintomas do vírus e diminuiu exames e cirurgias eletivas.

O movimento de transferir pacientes da capital para outras cidades também tem acontecido nos hospitais particulares. "A gente ainda não está em colapso, mas é preciso chamar a atenção da população porque tem menos leitos disponíveis", ele alerta.