Buenos Aires, 01 (AE) - "Oportunista perigoso" foi o termo encontrado pela revista semanal da Argentina Notícias para definir o governador da Província de Buenos Aires, Carlos Ruckauf. Desde que tomou posse, em dezembro, ele mudou radicalmente seu estilo, dando uma violenta guinada à direita em busca de resultados nas pesquisas de opinião pública.
Ruckauf iniciou uma campanha de "compre produtos argentinos", deliberadamente contra o comércio com o Brasil. Os pilares de seu discurso são: ordem, família, segurança e valores tradicionais. Com ironia, a revista colocou uma fotomontagem na capa, disfarçando-o de oficial da SS, com o título "Herr Ruckauf".
Sua receita de retomar a idéia de uma "liderança forte" em um país onde desde o fim do governo do ex-presidente Carlos Menem predominam os líderes anódinos, teve sucesso: segundo o Centro de Estudos de Opinião Pública (Ceop), ele foi um dos poucos políticos de projeção nacional que aumentaram sua imagem pública desde as eleições de outubro. Enquanto o presidente Fernando de la Rúa caiu de 73% para 68,6%, Ruckauf subiu de 45 4% para 53,2%.
Sua confiança nas pesquisas ficou comprovada na confissão que fez recentemente a De la Rúa: "Se as pesquisas dizem que tenho que bater no Brasil, vou bater." Foi justamente seu vizinho do Mercosul e, paradoxalmente, o destino de 50% das exportações argentinas, seu principal alvo no último mês. O governador atacou o denominado "êxodo de indústrias argentinas ao Brasil"
afirmando que os subsídios às empresas concedidos por Estados brasileiros não eram coisa de "bons vizinhos".
No clássico estilo nacionalista, Ruckauf não deixou de explorar os recantos da história para explicar os porquês da desconfiança com o Brasil: o governador comparou o desembarque brasileiro na cidade de Carmen de Patagones, em 1827, com a hipotética invasão de produtos "made in Brazil" - que nunca chegou a ocorrer - na Argentina durante 1999.
Além disso, afirmou que os governadores e prefeitos do Brasil agiam como "bandeirantes", tentando levar para seu país empresas argentinas. Ao contrário do que significa para os brasileiros, na Argentina os bandeirantes são vistos como saqueadores, que expandiram o território português (mais tarde brasileiro) à custa do espanhol (mais tarde argentino).
No governo federal, no entanto, a postura de Ruckauf foi rechaçada. O ministro do Interior, Federico Storani, fez um alerta sobre a mobilização antibrasileira de Ruckauf: "Sua tentativa de diferenciar-se por meio de um discurso nacionalista é perigosa."
Além do Brasil, o governador também tem outros bodes expiatórios para o estado de crise e decadência do país e sua província: Ruckauf prega a política de "mão-de-ferro" com os criminosos. "Quero ver os assassinos mortos", disse recentemente. Para aplicá-la, escolheu como secretário de Segurança o ex-coronel Aldo Rico, o mais famoso ex-golpista dos anos 80. Sua política já está surtindo efeito, embora não o esperado: de acordo com estatísticas oficiais, as denúncias de tortura feitas nas delegacias multiplicaram-se por sete desde que Ruckauf tomou posse.
O governador tem um passado que se caracterizou pela falta de bases populares: nos conturbados anos 70, Ruckauf era o líder do sindicato dos seguros, quando repentinamente transformou-se no mais jovem ministro da presidente Isabelita Perón. Ocupando a pasta do Trabalho (1975), Ruckauf ficou no cargo menos de um ano
mas teve tempo para, junto com um reduzido grupo de ministros, assinar um decreto que autorizava a "aniquilação" da subversão. Com essa lei, os militares e a polícia sentiram-se no direito de matar opositores políticos a granel, causando mesmo antes da ditadura militar (1976-1983) mais de 900 mortos.
Com o fim da ditadura, ocupou diversos cargos na Justiça e no Parlamento até chegar à vice-presidente em 1995. Menem o escolheu porque com sua falta de currais eleitorais próprios, Ruckauf não aspiraria sucedê-lo.
Mas o presidente enganava-se. Durante a primeira viagem de Menem ao exterior, Ruckauf aproveitou o cargo transitório para deitar-se na cama de seu chefe na residência oficial de Olivos, onde tirou uma soneca. O gesto de audácia foi um escândalo e foi o primeiro sinal de que "Rucucu" - apelido conferido pela imprensa - aspirava ao comando do país.
Foi breve, mas conturbada a passagem do ex-coronel Aldo Rico no governo: apenas quatro meses. Nas últimas semanas, Rico esgotou a paciência de Ruckauf: pediu a morte de delinquentes, criticou juízes, ameaçou colocar a polícia atrás de jornalistas e reclamou dos fotógrafos que o seguiam: "O que fazem com tantas fotos, masturbam-se?".
Mas a gota dágua ocorreu na semana passada, quando em uma tentativa de desprestigiar o governo, distribuiu uma foto do presidente Fernando de la Rúa com um guarda-costa.
Rico sustentou que o policial que o acompanhava era Carlos El Indio Castillo, um antigo colaborador seu, que está preso acusado de tentativa de assassinato e é suspeito de ter participado do atentado à associação beneficente judaica Amia, em 1994. A mentira durou pouco: logo descobriu-se que o homem da foto era um integrante da polícia federal, relativamente parecido com seu ex-colega de aventuras golpistas.