Prova de validação do diploma de medicina conseguido fora do Brasil, o Revalida traz um misto de incertezas e esperança para os estudantes brasileiros que já se formaram no exterior e mesmo àqueles que ainda estão fazendo o curso de graduação.

Imagem ilustrativa da imagem Revalida traz misto de incertezas e esperança
| Foto: Divulgação

A prova é o único meio de os egressos serem autorizados a exercer a atividade em território brasileiro, o que aumenta de maneira considerável a ansiedade em relação ao exame. Somado a isso, a irregularidade na frequência da aplicação das provas (em 2018 e 2019 não houve exame) tem deixado o estado de nervos dos estudantes ainda mais à flor da pele.

“Meu único plano é revalidar o diploma para trabalhar no Brasil. Lá no Paraguai não é fácil ter vaga para trabalhar”, diz o médico recém-formado Matheus Vigilato Costa, 24 anos. Ele concluiu o curso no mês passado, em uma faculdade de Pedro Juan Caballero, no Paraguai.

A escolha em estudar no país vizinho foi por condições financeiras, aliadas à dificuldade de ingressar em uma universidade federal brasileira.

Após se formar, Matheus voltou para o Brasil e hoje mora em Goiânia. A preparação para o Revalida está sendo feita atualmente por meio de um curso on-line, em que o recém-formado tem se dedicado, em média, cinco horas por dia desde fevereiro. Antes disso, ele já havia feito outro curso de preparação. A primeira fase do Revalida está prevista para ser aplicada em setembro.

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A estudante de medicina Thaíssa Leal Oliveira, 24, pretende concluir o curso de medicina em Salto del Guairá, no Paraguai, em 2023. Apesar de o Revalida ainda estar longe (ela pretende prestar o exame em 2024), o sentimento de insegurança já existe com relação à prova.

“A gente não sabe se a prova vai acontecer todos os anos ou não. Por enquanto, deve acontecer 2 vezes por ano, mas vamos ver se vai ser realmente assim até lá. É sempre uma incerteza, me dá até medo de não fazerem mais o Revalida. Isso gera uma ansiedade na gente, já que a prova é simplesmente a oportunidade de trabalhar no nosso país.”

A família de Thaíssa é de Arapongas (PR). Depois de formada, a estudante pretende voltar para o Brasil. Para conseguir trabalhar aqui, só passando no Revalida.

“É uma grande vontade minha voltar. Optei pelo Paraguai por ser mais próximo de casa, pela condição financeira, já que lá o custo é menor comparado ao Brasil. E também por estar exausta, já que tentei por 3 anos entrar em uma faculdade pública no Brasil.”

As inscrições para a edição 2021 do exame, com provas em setembro, e para a segunda fase do Revalida 2020, com provas em julho, foram abertas na segunda-feira (31/05).

ENTIDADES

Entidades médicas defendem a aplicação do Revalida, prova de validação do diploma de medicina.

“A população brasileira necessita da segurança e do direito de que será atendida por profissionais habilitados. Em todas as profissões há regulamentos a serem observados. Com saúde e a vida não se pode querer menos, nem para nós nem para os outros. Mais de 90% da população acredita que o Revalida é necessário”, destaca Roberto Issamu Yosida, presidente do CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná).

A presidente da Associação Médica de Londrina, Beatriz Tamura, acrescenta que a pandemia evidenciou a necessidade de uma boa formação médica, de muito conhecimento técnico e de especificidades necessárias para dar conta de toda a complexidade nos atendimentos a pacientes extremamente graves.

“Então nós entendemos que a admissão de médicos estrangeiros ou formados no exterior necessita, no mínimo, de conhecimentos equivalentes aos da grade curricular médica brasileira, assim como ter efetuado práticas médicas em sua graduação, seja em um ambulatório ou em um hospital. É o mínimo que a população brasileira exige.”

Ela acrescenta que aceitar o registro de médicos formados no exterior sem uma mínima prova, como o Revalida, significa nesta atual conjuntura acrescentar um risco a mais no atendimento aos pacientes e à população.

Em 2020, dos 15.580 candidatos inscritos nas provas do Revalida realizadas em dezembro, pouco mais de 64% eram brasileiros que faziam faculdade fora do país. Do total de inscritos, foram aprovados 8.946 candidatos na primeira etapa, o que representa 57%.

Em 2017, apenas 5,27% dos médicos passaram nas duas fases do Revalida e tiveram o diploma validado para conseguir trabalhar no Brasil.

“É uma formação ineficiente. A grade curricular de muitas faculdades de medicina desses países é pobre, insuficiente, eles mesmos não aceitam os próprios formandos das faculdades que eles criaram. Muitas faculdades sequer têm prática na grade curricular, e a prova do Revalida é considerada de nível baixo a médio, portanto é uma exigência mínima de conhecimento”, diz a presidente da Associação Médica de Londrina.

PANDEMIA

O presidente do CRM-PR destaca que o mundo inteiro sentiu o impacto da pandemia no atendimento à saúde, e aqui não foi diferente. “Há limites para tudo. Para infraestrutura e para equipes, não só de médicos, mas de todos os profissionais envolvidos na cadeia de atendimento da saúde.”

Ele acrescenta que, com relação à pandemia, são necessários profissionais com experiência em tratamentos intensivos de pacientes complexos, como são os acometidos pela Covid-19. “Esses profissionais levam aproximadamente cinco anos para sua formação, além dos anos da graduação médica.”

“O médico precisa ter conhecimento específico de intubação, de respiração assistida, comorbidades e necessita de uma extensa prática para que haja sucesso na alta desse paciente. É necessário, portanto, haver mais médicos com conhecimento, com prática, com formação voltada pra atuação em UTIs e em enfermarias graves”, completa Beatriz Tamura.

DESIGUAL

Existe uma distribuição extremamente desigual de médicos pelo país, com grande concentração nos maiores centros. Em geral, as cidades de menor porte são as mais preteridas pelos profissionais.

“Se houvesse carreira de médico semelhante à de juízes, certamente a busca seria outra. O médico deseja estabilidade, bons vínculos trabalhistas, possibilidade de progressão na carreira”, defende o presidente do CRM-PR.

A presidente da Associação Médica de Londrina acrescenta que não faltam médicos no Brasil – ao todo são cerca de 500 mil profissionais. Em menos de 5 décadas, o total de médicos aumentou 5 vezes mais do que o crescimento da população em geral.

“Temos uma distribuição inadequada. Devido à falta de estrutura, à dificuldade de o médico se manter atualizado, além da falta de equipamentos de diagnóstico, de equipes e de hospitais, as cidades menores são as que menos atraem médicos.”

Ela defende políticas públicas que estimulem a migração e a fixação dos profissionais nas cidades menores e menos desenvolvidas.

“Tem que ter uma criação de carreira de Estado pro médico e pros demais profissionais de saúde que garanta uma maior retaguarda científica e operacional desses profissionais nos vazios assistenciais. Os médicos procuram os grandes centros para manter o seu conhecimento atualizado e ter a estrutura necessária para o desenvolvimento da sua capacitação”, conclui.

Em 2020, o Conselho Regional de Medicina do Paraná inscreveu 2.239 médicos. Hoje há no Estado 31.068 profissionais com registro, sendo 2.797 em Londrina, cidade que forma 140 profissionais por ano.