São Paulo, 16 (AE) - O governo federal e a comunidade científica vão, finalmente, dar início à ocupação da Amazônia. Depois de um atraso de um ano nas obras do seu centro de pesquisas, o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para Uso Sustentável da Biodiversidade (Probem) começa a sair do papel.
A construção do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), que, com 26 laboratórios projetados, servirá de posto avançado para as pesquisas do Probem, foi retomada em outubro de 99 e deverá estar concluída até o fim deste ano. A informação é do geógrafo Wanderley Messias da Costa, diretor-geral da Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Bioamazônia), que gerencia o programa.
O Probem tem a meta de transformar-se no instrumento para viabilizar a pesquisa científica da biodiversidade da Amazônia - e, assim, assegurar a propriedade intelectual das riquezas naturais da região antes que todo o conhecimento seja contrabandeado por meio da biopirataria. A Bioamazônia é uma organização social composta por 40% de participação governamental e 60% da sociedade - em grande parte instituições de pesquisa e laboratórios de universidades.
A associação já iniciou também o processo de captação de cientistas para trabalharem no centro e treinamento das comunidades que atuarão na coleta de amostras da fauna, da flora e de microrganismos. Além disso, com a abertura de escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro, está sendo acelerada a busca por parceiros privados.
Cortes - As obras do CBA estiveram paralisadas por cerca de um ano em razão de cortes no orçamento de 1999 para o programa, que caiu de R$ 6 milhões para R$ 4,8 milhões, e de contestações ao processo de licitação para a construção. Segundo Costa, os problemas jurídicos já foram superados e o Probem, incluído entre os projetos prioritários do Programa Avança Brasil, deverá ter assegurado o desembolso de R$ 48 milhões nos próximos quatro anos.
Outros R$ 5 milhões deverão ser destinados à aquisição de equipamentos para o CBA. O orçamento operacional do centro é estimado em R$ 2,5 milhões. Além de servir de front tecnológico para as instituições associadas à Bioamazônia, o CBA deverá ter uma forte atuação no patenteamento de todo o conhecimento que surgir das pesquisas, garante Costa. Essa característica tem sido ressaltada nos contatos que a Bioamazônia está fazendo. "Todo e qualquer projeto de pesquisa da biodiversidade na Amazônia terá de passar por nós."
Costa acredita que, com alguns avanços obtidos no País recentemente, como a legislação sobre patentes, será possível à Bioamazônia atrair para o Brasil uma parte dos grandes volumes de investimentos destinados pela indústria farmacêutica - um dos maiores parceiros em potencial do programa. De acordo com ele, deverão ser investidos no Brasil pelos laboratórios farmacêuticos cerca de R$ 500 milhões em pesquisas científicas, o equivalente a 5% do total previsto para todo o Planeta.
"Razões para o investimento aqui não faltam", diz Costa. Segundo ele, o mercado brasileiro proporciona um faturamento de US$ 12 bilhões ao ano à indústria farmacêutica. "Além disso, temos o principal para a inovação nessa indústria: a biodiversidade." Costa explica que estudos apontam que novos medicamentos somente surgirão com a descoberta de novos princípios ativos na natureza, a partir de estudos da fauna, da flora e dos microrganismos.
Resposta - O diretor-geral da Bioamazônia considera que "o Probem deverá proporcionar uma resposta à antiga pergunta: por que o Brasil não se tem beneficiado das matérias-primas que temos aqui"? Em sua opinião, faltava um projeto para isso, resolvido agora com o Probem. Era preciso uma entidade flexível para levá-lo adiante, já que o governo encontra dificuldades em firmar as parcerias diretas, e agora existe a Bioamazônia. E a lei das patentes está proporcionando as garantias necessárias. Ele acrescenta que existe uma pendência: a falta de uma legislação para o acesso à biodiversidade. "Existem dois projetos que estão sendo discutidos no Congresso."
O próximo passo do Probem, diz, será assegurar fontes alternativas para o custeio das pesquisas, complementarmente aos recursos orçamentários. A Bioamazônia está negociando com o Banco Axial, que possui atividades no setor ambiental, a composição de um fundo para receber doações de agências multilaterais e eventuais parceiros privados.
"A idéia é ter um fundo como o que existe para monitoramento ambiental no Alasca", diz Costa. Segundo ele, o fundo é mantido por meio de cobrança de taxas de empresas produtoras de petróleo e gás natural. O fundo do Alasca, surgido após catástrofes ambientais ocorridas naquela região, já acumulou um montante de US$ 15 bilhões e distribuiu dividendos aos esquimós de cerca de US$ 4 mil por ano, segundo Costa.
"O nosso fundo deverá ser semelhante. Acredito que, quando tivermos US$ 150 milhões, o que manteria o CBA funcionando tranquilamente, será possível pagar royalties às comunidades envolvidas na bioprospecção." A assessoria do Banco Axial confirmou as negociações para o fundo, mas evitou adiantar detalhes, afirmando que o projeto ainda está em fase inicial.
Pesquisas - Antes mesmo de o CBA entrar em operação, a Bioamazônia já coordena 15 pesquisas no âmbito do Probem, realizadas por uma rede de pesquisadores de institutos e universidades vinculados ao programa. Entre elas está o desenvolvimento de drogas contra a malária e a tuberculose a partir de fungos encontrados na Amazônia.
"Estamos testando uma coleção grande de fungos para encontramos um princípio ativo", diz Mário Sérgio Palma, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro (SP), um dos coordenadores da pesquisa. A expectativa é a de que os estudos chegarão às novas drogas em oito anos.
A pesquisa envolve oito laboratórios de universidades e institutos de pesquisa, entre eles o Instituto Butantã, em São Paulo, a Universidade Federal do Amazonas e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Trata-se de um exemplo do trabalho de coordenação que fará a Bioamazônia, reunindo em um projeto só e com finalidade maior várias pesquisas que vêm sendo desenvolvidas isoladamente", diz Palma.