Completa 35 anos no próximo 30 de agosto a repressão violenta de uma manifestação de professores por parte da PM (Polícia Militar), em Curitiba. Às vésperas da promulgação da Constituição Federal, e em meio ao processo de redemocratização do país, os docentes em greve buscavam melhores condições de trabalho, mas foram agredidos pelas forças de segurança no Centro Cívico em 1988.

O episódio é lembrado até hoje como forma de protesto pelos educadores. Os dias 30 de agosto e 29 de abril, em função da agressão sofrida pelos servidores públicos em 2015, são datas de mobilização do funcionalismo da educação.

A professora aposentada Sueli Aparecida Lopes, 58, lembra como se fosse hoje daquela terça-feira de 1988. Em seu período de estudante e no início da sua vida no magistério, ela participou de outras mobilizações da categoria. À época, os servidores tentavam abrir um canal de diálogo com o então governador Álvaro Dias (Podemos).

“Eles vieram com bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes, e os que estavam no chão, com os escudos, começaram a bater”, lembra Sueli Lopes
“Eles vieram com bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes, e os que estavam no chão, com os escudos, começaram a bater”, lembra Sueli Lopes | Foto: Douglas Kuspiosz

“A movimentação iniciou antes, em junho e julho. Em agosto, foi essa grande manifestação, que fomos em caravanas, lotamos ônibus de vários municípios, e nos concentramos em Curitiba”, aponta.

A FOLHA destacou o episódio na edição do dia 31 de agosto, apontando que essa foi a primeira vez que o Centro Cívico - onde ficam o Palácio Iguaçu e a Assembleia Legislativa - foi palco “da utilização de bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, pela Polícia Militar, contra uma passeata de professores da rede estadual de ensino, em greve há 22 dias”.

Os docentes saíram da Praça Rui Barbosa às 16h e, ao chegar em frente à sede do governo, encontraram a barreira com cerca de 400 militares.

“Na frente do palácio, isolado por cordas e pelos policiais, os professores deram início às palavras de ordem, enquanto os carros de som do Sindicato dos Bancários e da Associação dos Professores do Paraná eram cercados, a 100 metros do local, impedidos de chegarem até a concentração”, continua a publicação, que afirma que foi nesse momento que “o Centro Cívico virou uma praça de guerra”. “Treze homens da Polícia Montada partiram para cima do carro de som do Sindicato dos Bancários, agredindo as pessoas que estavam ao redor.”

Não há certeza sobre o que deflagrou a reação policial. Lopes acredita que “algum ruído, algum incidente” pode ter feito um dos cavalos da Polícia Montada avançar. “Aquilo virou uma praça de guerra. Eles vieram com bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes, e os que estavam no chão, com os escudos, começaram a bater”, lembra.

Os manifestantes acabaram sendo dispersados e muitos ficaram feridos, sendo encaminhados para postos de saúde e hospitais de Curitiba. A professora aposentada reconhece que, apesar de poucos, foram conquistados avanços para a categoria, embora muito em razão da comoção pública.

“Quando eu fecho os olhos e lembro dos cavalos, dos policiais, dos cassetetes, só tem uma palavra que explica: covardia. Era um mar de mulheres, de professoras do Paraná inteiro lutando [por melhores condições de trabalho]. Que grande ameaça essas mulheres poderiam representar aos prédios públicos ou às autoridades?”, questiona.

DATA SIMBÓLICA

A presidente da APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), Walkíria Olegário Mazeto, afirma que o 30 de agosto é lembrado anualmente desde 1989. Ela cita uma “violência do Estado” contra os trabalhadores da educação que pediam o cumprimento de uma legislação que determinava um piso de três salários mínimos para a categoria.

“A greve que é feita pelos trabalhadores da educação [em 1988] teve, por parte do Estado, no lugar de uma mesa de negociação, de um espaço de debate, o episódio de colocar a cavalaria, de colocar toda a força policial em cima dos trabalhadores e trabalhadoras que estavam acampados ali no Centro Cívico”, lembra Mazeto.

Para a presidente, a data serve também para denunciar as situações vivenciadas pelos docentes. Neste ano, a categoria decidiu em assembleia fazer um dia sem plataformas nos colégios estaduais. Ou seja, não ocorrerá paralisação como em anos anteriores.

“Nós tivemos um conjunto de pautas que conseguimos avançar no processo de negociação. Difícil, mas avançamos em alguns pontos importantes. E tem pautas que ainda precisamos enfrentar, mas que nesse momento era importante ter um debate na escola”, declara, citando a discussão sobre o uso intensivo de tecnologias nas salas de aulas.

O sindicato também organiza um ato estadual na quarta-feira (30), a partir das 8h, em frente à Assembleia Legislativa, com professores e professoras aposentados.

O presidente da APP-Sindicato de Londrina, Márcio André Ribeiro, também ressalta que o 30 de agosto “é uma data histórica” para os trabalhadores da educação pública. “Marca um evento lamentável que aconteceu em Curitiba. Não se pode dizer que foi um confronto. Confrontos são dois grupos igualmente preparados, que entram em confronto. Não foi o que aconteceu. As tropas que estavam guardando o Centro Cívico agrediram praticamente de forma gratuita todo o grupo de professores e professoras”, aponta. “Nada justifica que o Estado parta para a agressão para cima da próxima população.”

29 DE ABRIL DE 2015

Passados 27 anos, os servidores estaduais novamente foram vítimas da repressão policial. Em 2015, no dia 29 de abril, o funcionalismo público manifestava em frente à Alep (Assembleia Legislativa do Paraná) contra um projeto que alterava a ParanaPrevidência, proposto pelo governador da época, Beto Richa (PSDB), quando o Centro Cívico voltou a ser palco de cenas de guerra. Mais de 200 pessoas ficaram feridas.

O professor José Reinaldo Antunes Carneiro, 58, de Telêmaco Borba, lembra que chegou em Curitiba por volta das 9h do dia 29 de abril e “o clima já estava pesado”.

“Os helicópteros começaram a sobrevoar o acampamento, e aí começou a voar as barracas e o desespero, gente gritando”, destaca, pontuando que foram jogadas bombas dos helicópteros e que, após os manifestantes romperem o primeiro cordão de isolamento, o Pelotão de Choque entrou em ação. “Foi pancada para todos os lados.”

Carneiro diz que levou um tiro de bala de borracha , mas só percebeu horas depois, quando já estava dentro de um ônibus. Também houve casos de professores que ficaram gravemente feridos.

“O pior de tudo é saber que, do ponto de vista dos ganhos, foi mínimo, e que a sociedade parece que não se atentou da gravidade que foi. A partir daquilo, as coisas começaram a degringolar e eu creio que vai demorar muito tempo para recuperarmos o espaço que perdemos na luta sindical, nos direitos. A escola pública no Paraná se tornou um caos”, avalia.

O ex-governador Beto Richa e outros nomes da gestão estadual chegaram a ser denunciados pelo MPPR (Ministério Público do Paraná) ainda em 2015 por conta da conduta do governo do Estado no episódio de 29 de abril. Mas, em 2017, a Justiça rejeitou a ação de improbidade administrativa.

“Continuamos acreditando que, mantendo a história viva, as futuras gerações não cometam os mesmos erros. Essa é a lição que queremos deixar. É por isso que todos os anos vivenciamos e relembramos esses fatos lamentáveis e graves que aconteceram”, finaliza Ribeiro.

A professora Silvia Alves dos Santos, do Departamento de Educação da UEL (Universidade Estadual de Londrina), afirma que o ataque de 29 de abril de 2015 “foi a coroação de uma grande empreitada contra os servidores públicos”.

A docente lembra que o funcionalismo já vinha enfrentando dificuldades naquele período, como o não pagamento do terço de férias, a desconfiança com os salários e a aprovação do “desmonte da ParanaPrevidência”.

Ela explica que ainda em fevereiro os professores se mobilizaram para protestar contra. Nesse período, os servidores chegaram a ocupar a sede do Legislativo, mas o texto foi aprovado apesar dos “gritos de desespero, de palavras de ordem, de clamores para ser revista ou retirada a pauta”.

Em abril, Santos conta que estava em Curitiba com seu marido e sua filha pequena. Quando começou a confusão, ela estava perto da Prefeitura, longe da concentração de pessoas.

“Começou uma gritaria e, do nada, uma correria, como se fosse uma enxurrada de gente, correndo e se atropelando. Apareceram muitos helicópteros no céu de uma só vez sobrevoando muito rente ao chão, jogando bombas, policiais cercando pelo chão também e atirando. Eu só pensei em me proteger e proteger minha filha. Coloquei a cabecinha bem próxima ao peito, protegi bem com as mãos e corri muito”, conta.

“A forma violenta como o Estado trata seus professores foi chocante demais. O 29 de abril terminou para nós como um dia cinzento, literalmente, porque o cheiro de destruição e as cenas de violência estavam por toda parte”, acrescenta.

Em relação ao episódio de 1988, a professora afirma que “é ainda hoje um dia simbólico para os professores do Paraná, que relembra a tragédia violenta e, ao mesmo tempo, mostra que a união dos servidores após aquele episódio trouxe conquistas para a categoria”.

OUTRO LADO

A reportagem tentou contato com o ex-governador Álvaro Dias, solicitando um posicionamento sobre a ação da PM no dia 30 de agosto de 1988. No entanto, não obteve resposta. O ex-governador e deputado federal Beto Richa foi procurado por meio de assessoria e também não se manifestou. A FOLHA questionou a Seed (Secretaria de Estado da Educação) sobre o dia sem plataformas na próxima quarta-feira, mas não houve resposta.