Religiosos, políticos e lideranças lamentam morte de dom Geraldo
Governador decretou lutou oficial pela morte do arcebispo que ajudou a criar, junto com a médica Zilda Arns, a Pastoral da Criança
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sábado, 26 de agosto de 2023
Governador decretou lutou oficial pela morte do arcebispo que ajudou a criar, junto com a médica Zilda Arns, a Pastoral da Criança
Jessica Sabbadini - Especial para a Folha
Sinônimo de caridade, humanidade e de amor ao próximo, dom Geraldo Majella Agnelo deixou um legado de amizade e de comprometimento por onde passou. Conhecido pelo jeito doce e tranquilo, o religioso morreu aos 89 anos, na madrugada deste sábado (26), em Londrina, cidade que sempre amou e onde desejava ser sepultado. Junto com a médica Zilda Arns, Majella criou a Pastoral da Criança em 1983, em Florestópolis, tirando centenas de crianças da desnutrição, que na época significava a morte.
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Religiosos, políticos e lideranças lamentaram a morte do arcebispo emérito da Arquidiocese de São Salvador da Bahia. O governador Ratinho Junior decretou luto oficial de três dias pela morte de dom Geraldo Majella Agnelo. "O Paraná perdeu o cardeal Dom Geraldo Majella, que coordenou a arquidiocese de Londrina e também atuou em Toledo, alimentando a fé de muitos paranaenses. A comunidade católica e o Paraná perdem um homem que atuava sempre em benefício do próximo. Meus profundos sentimentos aos amigos e familiares", disse o governador.
O prefeito de Londrina, Marcelo Belinati, também decretou luto oficial por três dias pela morte de dom Geraldo. "Muito triste a notícia da morte de dom Geraldo Majella Agnello. Um religioso íntegro, comprometido com as causas sociais, e que deixou sua marca ao comandar a Arquidiocese de Londrina por 8 anos. Querido por todos, fará muita falta não só para Londrina, mas para o nosso país. Que Deus conforte seus familiares e amigos", declarou o prefeito.
Geraldo Alckmin
O presidente em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), também expressou seu pesar, assim como a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), da qual o cardeal foi presidente.
A nota de pesar de Alckmin foi publicada na rede social X (antigo Twitter). "@lualckmin e eu recebemos com profundo pesar a notícia de falecimento do Arcebispo Emérito de Salvador, Dom Geraldo Majella. Ordenado padre em 1957, Dom Geraldo teve uma virtuosa trajetória no desempenho das diversas funções eclesiásticas para as quais foi designado, além de ter engrandecido as instituições de ensino em que exerceu o magistério, com sua cultura e humanismo. Meus sentimentos e orações a seus familiares e amigos."
A CNBB enviou uma nota de condolências, prestando homenagem e gratidão ao purpurado e estendendo os sentimentos de pesar ao arcebispo de São Salvador (BA), cardeal Sergio da Rocha, aos familiares, fiéis e a todo povo de Deus. O secretário-geral da CNBB, o bispo auxiliar de Brasília dom Ricardo Hoepers recordou o legado de dom Geraldo e a sua contribuição à CNBB, à Igreja no Brasil e no mundo em um vídeo publicado no Youtube.
Primeiro arcebispo de Toledo
Mineiro de Juiz de Fora, Dom Geraldo Majella Agnelo nasceu em 1933. Em 1957, aos 24 anos, foi ordenado padre na Arquidiocese de São Paulo. No Paraná, foi o primeiro arcebispo de Toledo, entre 1978 e 1982, ano em que veio para Londrina, onde permaneceu até 1991 como arcebispo da Arquidiocese de Londrina.
Amigo pessoal do Papa João Paulo II, ele foi presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e secretário da Congregação para o Culto Divino em Roma, além de arcebispo da Arquidiocese de São Salvador da Bahia. Foi apontado como um dos cardeais que poderiam assumir o cargo de sumo pontífice da Igreja Católica em 2005, durante o conclave que elegeu o Papa Bento XI.
Pastoral da Criança
Com passagens por altos cargos da Igreja Católica, foi em uma cidade paranaense de pouco mais de 10 mil habitantes que o religioso pode mudar a vida de centenas de crianças. Na década de 1980, Florestópolis, a pouco mais de 70 quilômetros de Londrina, enfrentava uma alta taxa de mortalidade infantil, que vitimava cerca de 200 crianças a cada mil nascidos vivos.
Buscando uma forma de auxiliar a cidade, ele entrou em contato com uma médica pediatra de Curitiba, Zilda Arns, que pretendia desenvolver um trabalho voltado para a mortalidade infantil. O religioso afirmou que Florestópolis seria o local ideal para desenvolver o trabalho, batizado de Pastoral da Criança. Através de um soro caseiro que cortava quadros de diarreia e desnutrição, em quatro anos a mortalidade infantil na cidade caiu para quase zero. Por conta dos excelentes resultados em Florestópolis, o projeto foi levado para todo o Brasil e para países da América Latina e África.
Desde 1983, na Pastoral da Criança, a aposentada Eunice Vicente Cardoso, 72, conta que a ação ajudou a salvar a vida de centenas de crianças em Florestópolis. Definindo a participação de dom Geraldo Majella como incansável, ela afirma que o religioso participou assiduamente de todo o trabalho que era desenvolvido na cidade. “Naquela época morria muita criança e o que matava mesmo era a diarreia, que levava a desidratação e a desnutrição, e para a criança recuperar era muito difícil”, explica. Segundo ela, o religioso e a médica trouxeram uma receita caseira de soro e uma multimistura de farinhas, e foi mudando a realidade da cidade, ajudando a salvar a vida de muitas crianças.
“Eu sou padre hoje por influência dele"
Padre na Paróquia São João Batista, em Florestópolis, Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, 61, era amigo pessoal de Dom Geraldo Majella e conta com orgulho que sua vida religiosa começou por influência dele. Santos, que é de Portugal, relembra que aos 20 anos veio visitar o Brasil e foi convidado por um amigo a conhecer a Arquidiocese de Toledo, que foi comandada por Majella entre os anos de 1978 e 1982. Imediatamente, o religioso e o jovem se tornaram muito amigos. “Toda vez que ele [Dom Geraldo Majella] ia para Portugal ele me convidava para ser padre em Londrina”, conta.
Inicialmente, sem a intenção de entrar na vida religiosa, o pároco explica que cinco anos depois do primeiro contato com Majella, ele decidiu se tornar padre e vir para o Brasil. “Eu sou padre hoje por influência dele e sou padre no Brasil porque ele insistiu e me acolheu em Londrina”, afirma. Santos veio para Londrina em 1987.
Após ter concluído o curso de teologia, ele explica que dom Geraldo Majella se comprometeu a ordená-lo padre em sua terra natal, a cidade de Valpaços, em Portugal, no ano de 1990, em frente à casa onde ele cresceu. “Uma das características dele é essa proximidade, essa humanidade e facilidade em fazer amigos. Eu me considerava amigo dele, a gente dava risada, contava piada, só posso dizer que foi muito bom ter ele como bispo que me ordenou”, explica.
Sobre o falecimento do religioso, o pároco ressalta que não é possível falar em perdas quando se trata de Majella. “É uma sensação de dever cumprido, de combater o bom combate e guardar a fé, como diz São Paulo, e que agora ele regressou para os braços do Pai”, explica, afirmando que as pessoas “vêm e voltam para Deus”.
“Ganhamos um intercessor no céu”
Sacerdote há seis anos na Catedral de Londrina, o padre Rafael Solano, 54, conta que dom Geraldo Majella tinha um amor profundo pelas pessoas mais carentes e que era uma pessoa simples e muito doce, que motivou a criação da Pastoral da Criança. “A Pastoral nasceu do coração de um pastor que viu a necessidade das crianças que estavam não somente carentes da assistência social, como também da nutrição e alimentação”, ressalta.
Solano explica que, na linguagem cristã, eles não falam em perda, mas sim que “ganhamos um intercessor no céu”. Segundo ele, a participação de dom Geraldo Majella na Arquidiocese de Londrina foi primordial. “Assim como dom Geraldo Fernandes foi o desbravador, Majella foi o organizador, o homem que projetou as futuras paróquias da Arquidiocese”, afirma.
O pároco detalha que ele era um homem que estava “sempre aberto para acolher as pessoas” e que “Londrina só ganhou com a vida deste homem”: “eu acredito que agora nós temos um novo santo no céu que intercederá por esta Arquidiocese”. Segundo Solano, Majella amava Londrina e se sentia muito à vontade em meio ao povo, tanto que será sepultado na Cripta Episcopal da Catedral de Londrina, junto a dom Geraldo Fernandes e dom Albano Cavallin.