“Os relatórios são importantes para fins estatísticos, em especial para que consigamos analisar a capacidade de atuação da rede de proteção." A afirmação é da delegada Lívia Pini, do Nucria (Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crime) de Londrina. "Muitas vezes verificamos que, a despeito do grande número de denúncias, a rede não possui estrutura suficiente para garantir a rápida proteção às vítimas e responsabilização de seus agressores. Essa estruturação passa por investimentos públicos, em especial na Polícia Civil - que investiga os crimes e garante a responsabilização dos agressores - e nos Conselhos Tutelares - que promovem a primeira proteção às vítimas”, destacou.

Segundo ela, todas as denúncias que chegam via Disque Direitos Humanos narrando crimes cuja atribuição é do Nucria são convertidas em procedimentos preliminares para averiguação de procedência. Caso haja indícios mínimos que confirmem a violência, esses procedimentos transformam-se em inquéritos policiais.

Pini ressaltou que, em Londrina, o Nucria recebe cerca de 50 novos casos por mês, entre denúncias anônimas e denúncias feitas presencialmente. “Em trâmite, temos cerca de 1.600 procedimentos. A grande maioria deles envolvendo crimes sexuais”, expôs.

Ela constatou que a violência sexual cometida contra crianças e adolescentes quase sempre é praticada por pessoas próximas, em ambiente domiciliar e sem testemunhas. “Por consequência, a única forma de garantir a proteção é ensinando as crianças sobre o que é a violência sexual e como agir quando se virem em uma situação dessa natureza. É essencial mantermos um diálogo permanente com nossos filhos, sobrinhos, alunos e garantir que eles se sintam seguros para nos contar qualquer episódio de violência vivenciado.”

Pini destacou que os registros de casos são subdimensionados. “A violência intradomiciliar e intrafamiliar é muito complexa. Os agressores são pessoas que muitas vezes despertam sentimentos contraditórios nas vítimas, de carinho e medo. Vemos que um dos principais espaços para o surgimento dessas denúncias é o ambiente escolar. É um local onde a criança normalmente se sente protegida e recebe as informações que precisa para identificar que aquela situação é uma violência e que precisa ser denunciada”, destacou.

Questionada sobre o caso da garota capixaba de 10 anos que precisou se submeter a um aborto em Pernambuco depois de ter sido estuprada pelo tio, e posteriormente foi pressionada a não realizar o procedimento e achincalhada nas redes sociais, Pini ressaltou que é muito cruel tecer qualquer julgamento sobre o caso dessa criança que engravidou. “Ela foi reiteradamente violentada ao longo dos anos e quando finalmente conseguiu proteção, foi novamente vítima. A sociedade deveria apontar o dedo para si própria e refletir sobre sua parcela de culpa nesse caso. Falhamos em não garantir os direitos dessa criança, que não teve acesso ao conhecimento e à proteção que evitariam que essa gravidez sequer acontecesse”, apontou. “Por outro lado, a criminalização de discursos é algo muito complicado juridicamente. É preciso analisar os detalhes de cada caso. De toda sorte, me parece já bastante claro o dano moral causado por tais discursos. Espero que seja dada assistência jurídica à família para que ingressem com as ações cabíveis a fim de indenizar e coibir falas tão odiosas”, analisou.

A delegada ressaltou que, para fazer frente ao crescente número de denúncias de violência, a principal dificuldade atualmente é falta de estrutura e recursos humanos. “Precisamos investigar sempre com muita diligência exatamente para evitar acusações injustas, o que leva tempo. Hoje felizmente, com o apoio da prefeitura e da Sejuf (Secretaria Estadual da Justiça, Família e Trabalho), contamos com uma psicóloga e um assistente social para realização da entrevista das vítimas. Essa oitiva especializada garante menor contaminação nos discursos e um relato mais próximo dos fatos. Ao lado disso contamos com toda a estrutura da Polícia Científica para, sempre que possível, fazer a coleta de provas materiais que possam corroborar os relatos”, destacou.

No ano passado o Nucria lançou a cartilha “O caminho da proteção”, mas não foi possível fazer "o acompanhamento do resultado da cartilha por falta de estrutura". “A nossa intenção era fazer capacitação nas escolas presencialmente, mas foi impossível. Depois entrou a pandemia e a gente optou por fazer a distribuição para a rede para o pessoal fazer a utilização. A gente usa também na unidade. Existem situações em que ou a criança é muito nova ou não faz verbalização alguma. Nesses casos a psicóloga e a assistente social faz o trabalho de prevenção, que é feito com base na cartilha, mas ainda não tem on-line”, destacou.