São Paulo, 4 (AE) - O regime especial automotivo da Argentina, que pode ser prorrogado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) se o governo Fernando de la Rúa não chegar a um acordo com o Brasil nos próximos 60 dias, provocou um déficit de US$ 17 bilhões na balança comercial do país entre 1992 e 1998, de acordo com estudo do Centro de Indústrias Siderúrgicas (CIS), divulgado hoje em Buenos Aires. Esse rombo equivale a 89,5% do déficit comercial argentino acumulado nestes sete anos.
Segundo o informe do CIS, a principal causa desse déficit foram as importações de autopeças - que somaram US$ 11,8 bilhões- com tarifas alfandegárias "baixíssimas". As montadoras instaladas no território argentino, principalmente as européias, tinham até o dia 31 de dezembro de 1999 o privilégio de importar autopeças de suas matrizes com alíquotas de apenas 2%, metade da alíquota que os importadores independentes recolhiam.
"Isso teve um efeito devastador nos tradicionais fabricantes nacionais de rodas, motores de ignição e de limpadores de pára-brisas, entre outros", afirma o estudo. De acordo com o CIS, as peças nacionais acabaram sendo substituídas pelas importações maciças, favorecidas pelas exceções ao pagamento de tarifas de importação que o regime especial automotivo concedeu às montadoras. "O alto protecionismo tarifário concedido às montadoras acabou discriminnando o restante da cadeia produtiva (fabricantes nacionais de autopeças)", acrescenta o CIS.
O estudo mostra ainda que as subsidiárias das multinacionais receberam recursos adicionais de US$ 6,3 bilhões nesse período, cifra que corresponde ao tratamento privilegiado por causa das tarifas reduzidas que receberam para a importação de automóveis de suas matrizes. No Brasil, as montadoras chegaram a importar veículos com metade da alíquota paga pelos importadores independentes por um longo período, o que acabou criando problemas na OMC.
O regime especial argentino, que foi praticamente copiado pelo governo brasileiro em 1995, determinava até o dia 31 de dezembro do ano passado tarifas de 17,5%, para veículos, e de 2% para autopeças importadas das matrizes. Com o fim dos regimes especiais e com a assinatura do acordo provisório entre o Brasil e a Argentina na semana passada, essas tarifas passaram para 35% e 8,5%.
"A proteção efetiva para as montadoras superava os 100%
enquanto que para os fabricantes nacionais de autopeças chegava apenas a 4%", denuncia o CIS no estudo. São essas, em grande parte, as principais razões pelas quais o Brasil e a Argentina não conseguem chegar a um acordo para criar um regime automotivo comum para o Mercosul. As negociações entre os dois países se estendem há cinco anos.
Divergência - O porcentual de componentes nacionais nos veículos é uma das principais divergências entre os dois países. O governo argentino propõe, por exemplo, que metade dos 60% dos componentes regionais nos veículos fabricados no Mercosul sejam nacionais. O Brasil aceita apenas 25%. A diferença, embora pequena, é expressiva e representa um risco, segundo o governo brasileiro.
As divergências, entretanto, não param aí. A princípio, os dois países acertaram alíquotas de importação de 8,5%, 9,1%, 10,4% e 11,7% para autopeças provenientes de países fora do Mercosul, desde que o regime comum seja mesmo efetivado. Até o dia 31 de dezembro, o Brasil praticava uma tarifa média de 11,2% e a Argentina de 2%.
Os argentinos querem incluir na relação de tarifas uma exceção, ou "alíquota preferencial" de 5% para 30% das autopeças importadas. Ou seja, de cada 100 componentes importados pelas montadoras instaladas na região, por exemplo, 30 teriam uma incidência de uma alíquota de 5% e os restantes 70 se enquadrariam na faixa que vai de 8,5, 9,1% a 11,7%, que, também foi reduzida de 14%, 16% e 18%, conforme vinha sendo negociado alguns meses atrás.
Um eventual acordo entre argentinos e brasileiros, entretanto, teria de passar ainda pelo aval de paraguaios e uruguaios, até hoje ignorados nas negociações bilaterais. Esses dois países não querem nem saber de uma Tarifa Externa Comum (TEC) de 35% para os automóveis importados de terceiros países. Hoje, o Paraguai e o Uruguai cobram alíquotas de 18% e 23%, respectivamente. Ou seja, para a assinatura de um acordo comum automotivo para a região, o Brasil e a Argentina terão de aceitar algum outro regime especial de transição para esse dois países.